A sociedade portuguesa sofre de um analfabetismo político grave

por João Pinho,    8 Agosto, 2019
A sociedade portuguesa sofre de um analfabetismo político grave
Marta Saraiva (@annehail) / CCA
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A discussão à volta das eleições legislativas tende a começar com a infantilização dos eleitores e cidadãos. Neste debate, é utilizado muitas vezes o argumento, que me irrita, de que a abstenção gigante, que elege os nossos representantes (por exemplo, nas últimas legislativas houve a participação escassa de 55.86%), deve-se ao facto das eleições, por vezes, coincidirem com dias de jogos “importantes” ou com um tempo sedutor para a praia. Ora, esta leitura da sociedade e dos comportamentos dos nossos concidadãos cai no facilitismo e retira as responsabilidades aos partidos e ao sistema democrático. Na realidade, o que está em cima da mesa é o facto de os portugueses considerarem o futebol mais importante no presente do que a sua representação nas diversas instituições democráticas. Ainda assim, esta última análise também peca por não olhar para o conjunto de pessoas que não acredita que o seu voto tem valor, que podem ser verdadeiramente representadas, que as suas angústias podem ser colocadas nos ombros de alguém competente, ou seja, consideram que o seu voto é, na realidade, uma ferramenta inútil, que é somente promovida para manter a ilusão da sustentabilidade da democracia.

No que toca à comunicação dos partidos com os cidadãos, é difícil também não tecer críticas. A maioria deles tem tendência a ter dois problemas: um discurso pouco claro e cheio de frases complexas, com palavreado técnico, tanto nos media como no próprio programa eleitoral e uma escassez de conteúdo no que toca a medidas que afectam directamente a vida dos jovens.

A complexidade das temáticas inclina-se, por defeito, para um discurso que é incompreensível para a maioria das pessoas. Isto acontece, por exemplo, quando um cientista tenta explicar uma teoria e falta-lhe exemplos práticos do quotidiano para a tornar clara; muitas vezes, falta-lhe uma inteligência emocional para dialogar com a comunidade. Mas pode haver uma outra razão para a classe política cair no paradoxo de tentar convencer o cidadão comum a votar, utilizando uma língua desconhecida pelos eleitores: é facto dos políticos estarem distanciados do mundo real que é representado por pessoas reais, muitas das quais não têm uma formação avançada que as permita interpretar a mensagem; e, mesmo aquelas que a têm não conhecem as tecnicidades das finanças ou da economia. Além disso, a sociedade portuguesa sofre de um analfabetismo político grave, isto é, nem todas as pessoas têm noção de que, nas legislativas, não se está a votar na cabeça para primeiro-ministro, mas sim em deputados que nos vão representar, por círculos eleitorais – distritos.

O próprio dialecto utilizado na comunicação é uma excelente ferramenta para controlar o eleitor: no meio de inúmeras conversas sobre números e estatísticas, previsões e definições específicas, palavreado vago no quotidiano de cada um de nós, disparam-se, em certos e determinados momentos  (momentos estes muito bem cronometrados com a psicologia do eleitor, que acaba por estar somente atento às eleições, no máximo, duas ou três semanas antes), as grandes medidas que afectam directamente e a curto prazo os cidadãos. São estas as letras gordas dos debates, onde cada partido lança um número maior ou mais sedutor. Isto faz com que a troca de ideias seja, do meu ponto de vista, fraca e os partidos fiquem cada vez mais parecidos entre si, pelo menos da perspectiva dos eleitores, que estão cada vez mais distanciados do sistema político. Quanto ao programa eleitoral, este é pouco claro e sucinto, não atrai quem queira mergulhar nele, a não ser quem é obrigado a tal. Assim, acabamos por estar sempre e unicamente dependentes dos media, que, com redações cada vez mais pequenas e dependentes dos números das redes sociais, cada vez menos fazem o seu trabalho.

No Portugal de hoje, os jovens têm um papel secundário aos olhos do sistema (basta ver o estado frágil do ensino) e, infelizmente, isso demonstra uma falta de visão a longo prazo – os jovens de hoje serão os adultos do futuro e, aí, já serão eleitores de interesse dos partidos. Acima de tudo, esse olhar revela um comodismo e uma frieza táctica pouco saudável, na forma como olham para o eleitorado, que é cada vez mais envelhecido. Isso reflecte-se nas próprias medidas apresentadas nas campanhas, onde não se discute verdadeiramente as alterações climáticas, o aumento da taxa de depressão e infelicidade geral dos jovens, a falta de habitação para os novos estudantes universitários e não se tomam medidas para fixar os jovens no país, muito menos nas regiões do interior. Não há uma tentativa de falar com os jovens, de lhes perguntar sobre as suas preocupações presentes relativas à sua relação com a sociedade e à sua visão do país. Desta forma, como é possível que os jovens estejam interessados na política e se desloquem às urnas? Como atrair jovens a participarem na democracia e no seu próprio futuro quando não têm uma educação nesse sentido, tanto na escola como em casa? Não nos podemos esquecer de que os próprios modelos adultos demonstram uma desconfiança com o actual sistema, no meio de uma maior mediatização da corrupção e de casos de nepotismo que afectam o país e de uma perda de poder de decisão na presente União Europeia. Como entrar num debate para o qual não fomos convidados? Será solução entrar pela porta principal por iniciativa própria e com força?

Dito isto, penso que, para a maioria das pessoas, o voto é um acto emocional. E exactamente por o voto ter o mesmo poder independentemente de quem o utiliza, provavelmente serão três as temáticas onde o próximo debate antes das legislativas de 6 de Outubro se vai centrar, todas com um potencial demagógico: incêndios, corrupção e alterações climáticas. O conjunto de pessoas que estiver interessado nestas temáticas representa as que estão descontentes com o governo, com o sistema político ou com a sociedade em geral e devem ser tidas em conta, exactamente para não as perdermos para um voto de protesto em opções extremadas e facilitistas ou as perdermos para o simples silêncio que, um dia, poderá fazer muito barulho.

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