A série de comédia “Ferro Activo” vai regressar

por Gustavo Carvalho,    12 Janeiro, 2020
A série de comédia “Ferro Activo” vai regressar
Fotografia: Diogo Ventura
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A série de sketches Ferro Activo estreou no Canal Q em 2012. Frederico Pombares, Henrique Dias e Roberto Pereira são os autores. Enquanto guionistas já estiveram envolvidos (tanto em grupo como individualmente) em projetos como o Telerural, É como diz o outro, Levanta-te e Ri, Último a Sair, Contemporâneos, Lado B, Herman 2012, Bem-vindos a Beirais, Hotel Cinco Estrelas, Avenida Q e, mais recentemente, Desliga a Televisão, na RTP. No entanto, só em Ferro Activo é que aparecem à frente das câmaras.

A propósito de um episódio especial do podcast Humor À Primeira Vista, realizado ao vivo no Maxime Comedy Club, em Lisboa, os três guionistas voltaram a reunir-se e revelaram, entre outras coisas, que vão regressar para mais uma temporada.

Fotografia: Diogo Ventura

De tudo o que já fizeram o melhor é o Ferro Activo?

Henrique – É o que nos dá mais gozo.

Pombares – Sem dúvida.

Podemos dizer que é o vosso projeto de autor?

Henrique – Sim, claramente. Porque nós quando escrevemos o Ferro Activo estávamos a escrever muita coisa para muita gente e precisávamos de um escape para fazer o que nós queríamos. Então foi o Ferro Activo.

Tinham a vossa empresa, não tenho a certeza de que ainda exista…

Henrique – Não funcionávamos como empresa nessa altura.

Roberto – Era uma sociedade não… legalizada. Uma cooperativa.

Nessa vossa cooperativa tinham pessoas a trabalhar para projetos como a Familía Superstar. Como é que alguém que prefere a comédia e tem influências como o The Office ou os Monty Python também escreve programas deste género ou mesmo novelas?

Pombares – Isso foi um caso diferente. Estás a falar sobre uma altura em que eu e o Henrique tínhamos uma empresa em que ficámos responsáveis por fazer as novelas da SIC daquela altura. É com algum orgulho que digo que fomos responsáveis pela Floribela.

Roberto – Ideia dele (Apontando para o Pombares).

Henrique – E pelas Chiquititas.

Roberto – Ideia dele (apontando para o Henrique).

Pombares – Exatamente, Chiquititas, Rebelde Way, Jura, Vingança.

Mas como é que isso acontecia? Vocês tinham as ideias apenas…

Pombares – Nós contratávamos pessoas para fazer isso.

Henrique –  Está aqui a pessoa que coordenava as novelas (apontando para alguém do público).

Como é que se chama?

Henrique – Luís Miguel Viterbo. Foi quem formou quase toda a gente que escreve humor em Portugal: o Ricardo [Araújo Pereira], o Filipe [Homem Fonseca], eu, o Eduardo Madeira, uma série deles.

Pombares – Uma salva de palmas para o Viterbo. Ele adora que façam isto (risos).

Fotografia: Diogo Ventura

Vocês declaram-se como guionistas, certo?

Pombares – Exato.

Pode não estar muito explícito para o público o que é que faz exatamente um guionista: escreve guiões, mas até que ponto é que interferiam na parte de realização e produção, neste caso, do Ferro Activo?

Henrique – Depende da relação que temos com o produtor. Há projetos em que temos uma liberdade maior em escolher atores – até escolher o realizador. Há outros projetos em que somos chamados apenas para escrever e já estão os atores e o realizador escolhidos. Portanto, depende muito de projeto para peojeto.

Pombares – No caso do Ferro Activo escolhemos os atores (risos).

Alguma vez consideraram não serem vocês os atores no Ferro Activo?

Henrique – Não.

Roberto – Não era tão bom.

Porque não fazia sentido?

Roberto – Não, nós fazíamos aquilo para nos divertirmos também. Como o Henrique estava a dizer era um género de um escape. Não fazia sentido estar a escrever mais uma coisa para os outros. Fizemos aquilo para nós.

Pombares – É como na escola quando toca para o recreio. Os putos vão brincar, nós íamos fazer o Ferro Activo. É a mesma coisa.

Henrique – Mas é mesmo isso. Durante o dia estávamos a trabalhar noutros projetos à noite quando íamos jantar era a altura em que bebíamos uns copos e tínhamos as ideias todas para o Ferro Activo. Era o recreio.

Pelo que percebi de uma estrevista do Pombares algumas ideias já nem se notavam bem no papel…

Pombares – Sim, o que acontecia regularmente é que durante esses jantares um de nós tinha uma folha e ia escrevendo. À medida que a noite ia avançando nós íamos bebendo. No dia a seguir íamos ver o que escrevemos, então as primeiras ideias percebíamos perfeitamente, ali a partir da décima quinta, décima sexta já era tipo um médico.

Henrique – Frases tipo “o gajo dos fones”.

Que depois foi um sketch.

Henrique – Foi um sketch.

 

 

Henrique – Mas demorámos muito tempo para perceber o que era.

Pombares – Até era das que percebíamos, mas havia umas que era só….

Roberto – Quem é que teve esta ideia de merda?

Pombares: Ou então uma espécie de monitor cardíaco. Nem sequer se percebiam as letras.

Porquê o nome Ferro Activo?

Roberto – Isso é uma boa história: quando nos juntámos para trabalhar andávamos à procura de um apartamento – não queríamos um escritório, queríamos um apartamento. Estávamos juntos quase o dia todo. Uma vez eu e o Pombares fomos a Algés ver casas, estávamos à espera de uma senhora, e parou uma carrinha de uma empresa de engomadoria que se chamava “Ferro Activo”.

Ahhh, é uma empresa de Linda-a-velha, eu encontrei isso.

Roberto – Exatamente. Parou à nossa frente, olhámos um para o outro, rimos um bocadinho e a partir daí pensámos: “Quem é que trabalha numa merda chamada Ferro Activo?”

Pombares – É importante dizer que para nós Ferro tinha uma conotação fálica – estar com o Ferro Activo. Entretanto aquilo foi um sinal.

Roberto – E a partir daquele momento começámos a dizer: “Pessoal, amanhã às três da tarde no Ferro Activo”. Usámos tanto “Ferro Activo” que ficou Ferro Activo. Isto para aí um ano antes de começarmos a gravar a série.

Roberto – Quando surge a ideia da série a primeira condição para nós foi: isto tem de se chamar Ferro Activo. Na altura, quando conversámos com o Canal Q lembro-me de que o Nuno Artur Silva dizia: “Giro, queremos isto, mas temos de falar sobre o nome. Não há maneira nenhuma de promover uma série chamada Ferro Activo, não há hipótese.” Nós dissemos: “Ou é Ferro Activo ou não é”

Nem surgiram outras ideias para nomes?

Henrique – Não, não.

Roberto – É Ferro Activo é Ferro Activo.

Pombares – Se conseguiram vender Gato Fedorento também conseguem vender Ferro Activo.

A ideia para o Ferro Activo surgiu nos intervalos de outros projetos, mas o conceito de skecthes de “Humor, Testosterona e Desconforto” vinha de anos anteriores ou apareceu nessa altura também?

Henrique – Não, surgiu mesmo naquela altura, porque para já tinha de ser uma coisa rápida de fazer. Pensámos: vamos usar aquilo que estamos a fazer, somos três argumentistas, estamos aqui nesta sala e são os nossos problemas do dia-a-dia. Foi uma ideia para tentar poupar tempo e o espaço.

Pombares – Na realidade nós tínhamos aquele síto…

Roberto – O Ferro Activo (risos)

Pombares – Que era uma penthouse maravilhosa, com vista para o mar e com piscina, num condomínio maravilhoso. Não queríamos escritório porque era mais “pesado”. Estávamos lá a escrever para outros, a equipa de produção ia, filmava, saía e nós ficávamos no mesmo sítio a trabalhar para outros. Era mesmo o recreio.

A ideia inicial foi passar no Canal Q?

Henrique – Já não me lembro.

Roberto – Não, aliás. Isso é uma história gira porque nós apresentámos o projeto a outro canal.

Que canal?

Roberto – Epá, era outro canal (risos).

Generalista?

Roberto – Sim. E o diretor daquele canal…

Pombares – (a fingir que tosse) SIC Radical (risos).

Roberto – E o Boucherie disse que era muito giro, mas jamais poderia ser um programa de televisão. Certo?

Pombares – Certíssimo.

Roberto – E nós achámos: “Epá, mas porque não?” Ele disse que podia ser uma webseries, mas televisão não fazia sentido – até fez.

Henrique – E apontou razões, não apontou?

Roberto – Sim, várias (risos).

Quais é que eram as razões? Lembram-se de algumas?

Roberto – Não (risos).

Henrique – Eu lembro-me de uma que me tocou particularmente: que eu tinha má dicção. Essa eu lembro-me.

Sendo guionistas não tiveram qualquer problema em dar a cara?

Henrique – Não, a questão do dar a cara ali foi muito natural. Quando escrevemos aquilo era tão a nossa cara que só nós é que saberíamos como fazer aquilo. Um ator ou uma atriz provavelmente não iria saber como é que interpretava os textos. Para nós era muito natural. Não é que sejamos atores, mas pelo menos aquilo sabemos fazer.

Porque as personagens são vocês?

Henrique – Exatamente.

Roberto – Mais ou menos, mais ou menos (risos).

Pombares – A dele é igual. Eu e o Henrique mudámos algumas coisas, mas ele é igual.

Fotografia: Diogo Ventura

Como já referi escreveram muita coisa fora do humor, mas é com o Ferro Activo e neste tipo de projetos que se sentem mais confortáveis. Porque é que decidem fazer outras coisas como novelas ou peças de teatro?

Roberto – Adivinha lá (risos).

Certo, mas a questão monetária fala assim tão alto nesses momentos?

Pombares – Tens filhos?

Acho que não.

Roberto – Gosto de carros com estofos em cabedal, em pele. É por isso.

Mas quando vos surge uma proposta de fazer algo fora da comédia é só isso que vos interessa?

Roberto – Não, mas depende. Se surgirem várias coisas ao mesmo tempo tens a opção de escolher aquela que te dá mais prazer. Mas o ano tem doze meses, é por isso.

Mas por exemplo, peças de teatro que já escreveram para o Fernado Mendes têm sempre um lado cómico, só que são para um público completamente diferente daquele que será o do Ferro Activo…

Henrique – Mas o processo é o mesmo, quer dizer, tem técnicas diferentes, mas na génese é o mesmo.

É isso. É vos mais difícil escrever certas coisas?

Henrique – Não. Mudamos um bocadinho o chip do ponto de vista da técnica, mas o mecanismo do humor é exatamente o mesmo. Os mecanismos de humor que se utilizam no teatro, no cinema e na televisão são os mesmos. Agora as técnicas é que são completamente diferentes.

Para filmes, que têm uma componente mais dramática, nalguns momentos isso interfere?

Roberto – Hmmmmm.

Pombares – O professor é que sabe, ele dá aulas.

Roberto – Não, são técnicas lá está, são géneros diferentes.

Quantos anos de carreira é que já são?

Roberto – Quase vinte?

O primeiro projeto foi o Aqui não há quem viva?

Roberto – Mais ou menos.

Pombares – O Henrique tem mais anos, depois acho que sou eu. Eu tenho dezasete anos de carreira.

Henrique – Eu tenho vinte e qualquer coisa…

Roberto – Eu tenho dezasete, por aí.

Pombares – Profissional sim, começar a ganhar (risos)…

Roberto – Sim, isso é outra coisa.

Eu penso que tenho a informação certa, mas nunca nenhum de vocês fez stand-up, certo?

Todos – Não.

Esta é a pergunta que fazem sempre aos guionistas.

Pombares – Eu ouço isso há dezasete anos

Henrique – O Pombares tem uma boa resposta para isso.

Mas não é isso que eu quero perguntar. 

Henrique – É uma pena porque o Pombares tem uma boa resposta para isso.

Queres responder, então?

Pombares – Há duas coisas: não faço porque não preciso. E depois, o que acontece no nosso caso, porque todos escrevemos stand-up há muitíssimos anos, desde o início do Levanta-te e Ri. O que acontece é que acho que nenhum de nós se diverte sozinho em palco. É isto que eu sinto. Se eu estiver em palco não preciso das palminhas do público, não sinto aquele quentinho, tenho de me divertir. Quando estou com eles divirto-me imenso. Por exemplo, se as pessoas aqui gostaram do que estamos a fazer para mim é ótimo, mas eu tenho de ser o primeiro a gostar daquilo que estou a fazer. Sozinho em palco não me divirto minimamente, não me faz sentido.

Mas a minha questão aqui é: como disseste, escreveram textos para comediantes de stand-up no Levanta-te e Ri e atualmente fazem o mesmo. O stand-up tem uma conotação muito pessoal. Isso não é estranho para vocês?

Henrique – Não, isso normalmente começa com um convite que nos é feito. As pessoas já sabem qual é o nosso estilo de humor.

Quem vos convida é a produção ou a pessoa?

Henrique – Normalmente é a pessoa.

Roberto – É pessoal.

Henrique – Tu não podes ter um humor completamente diferente do nosso e estar a dizê-lo em palco. Ou seja, as pessoas que nos convidam já se identificam com o nosso tipo de humor. Depois também tentamos adequar àquilo que conhecemos das pessoas. Em stand-up é muito difícil dizer: “Faz-me isso e depois vemos”. Não, tens de estar com a pessoa, conversar um bocado. É um processo muito mais orgânico.

Roberto – Tu escreves quase a base, ou um todo, mas depois a pessoa adapta um bocadinho aquilo que escreves.

Há uma cooperação?

Roberto – Sim.

Henrique – Mas é mais como o Roberto estava a dizer: dás o grosso e a pessoa dá uma volta diferente.

E acham que isso funciona?

Pombares – Eu percebo o que estás a dizer, mas acho que há aqui uma diferença. Tu estás a falar do stand-up no caso de um espetáculo a solo: é muito mais pessoal, cada um escreve para si e fala sobre a sua vida e os seus problemas. Se estivermos a falar do caso do Levanta-te e Ri… percebes a ideia?

Sim, percebo, são 15 minutos.

Roberto – Entra a atualidade também.

Pombares – Podemos escrever por tema, é diferente.

Neste caso é para o Marco Horácio que vocês escrevem, certo?

Pombares – Sim, agora é o Roberto.

Henrique – No início já fui eu e o Pombares.

Pombares – Quando tinha piada era eu e o Henrique (risos).

Fotografia: Diogo Ventura

Mas por exemplo tu escrevias para o Bruno Nogueira no início.

Pombares – Sim.

Para o Levanta-te e Ri?

Pombares – Não, escrevi para outra coisa. Antes do Levanta-te e Ri.

Quando vos perguntei sobre quem vos tinha infulenciado disseram Monty Python e o The Office, exatamente por ser uma série de humor de desconforto, também. Não se pode comparar com Ferro Activo, até porque são estruturas completamente diferentes, mas o que é que diriam que beberam do The Office?

Roberto – Bebemos muita coisa (risos) mas do The Office bebemos pouca.

Henrique – Não, mas o desconforto, as pausas, o cuidado que se tem na realização, porque a câmara às vezes não está em quem fala, mas em quem está a ter a reação. O nosso realizador tinha esse cuidado. Mas acima de tudo o desconforto que é uma coisa que está sempre presente no The Office e nós também temos isso muito presente no Ferro Activo.

Há um bocado a tendência para dizer que o The Office é um produto em que é um bocado difícil entrar. Tiveram esse problema?

Henrique – Eu não.

Eu por exemplo tive um bocado, não me adaptei logo, mas Ferro Activo acho que é mais…

Roberto – Entra melhor, entra melhor (risos).

Por ser mais curto, também. Mas tiveram esse problema? Acharam genial logo ao início?

Pombares – O Ferro Activo achei (risos).

Roberto – Não, mas eu lembro-me de que nos perguntaste por referências há uns dias por whatsapp. Na verdade, é um bocadinho rebuscado dizer que tivemos uma referência de Monty Pyhthon ou The Office, porque na verdade não o tivemos. Se calhar, inconscientemente, aquilo é uma referência, mas não dissemos: “Vamos fazer alguma coisa tipo The Office”

Pombares – Até porque aquilo são piadas que já fazíamos entre nós sem estar a gravar.

Roberto – Aliás, antes do Ferro Activo, o Henrique e o Pombares tiveram dois programas. Eu no outro dia dizia na brincadeira que as minhas referências eram eles, mas de facto eram. Eu gostava muito daquilo que eles já faziam.

Henrique – Eu acho que o que acontece é que as nossas referências pessoais passaram muito para ali. O Pombares é muito influenciado por The Office; eu sou muito influenciado pelos Monty Python; O Roberto é o mais eclético dos três, claramente. Essas nossas referência foram passando para o programa, não foi propriamente: “Vamos fazer uma coisa inspirada.” As nossas referências passam sempre para o nosso trabalho.

Pombares – E é involuntário.

O Roberto estava a referir a rubrica que o Henrique e o Pombares tiveram no “5 para a meia noite” – É como diz o outro. Que depois teve uma versão “em cama”…

Henrique – “É como dorme o outro.”

Pombares – E deu uma peça de teatro com o Bruno Nogueira e o Miguel Guilherme.

Isso foi antes de Ferro Activo, e a ideia, mesmo de realização, é muito semelhante. Ou seja, a ideia para Ferro Activo também surgiu daí?

Henrique – Não, não, a ideia da simplicidade veio daí, mas acho que não nasceu aí a ideia de Ferro Activo.

Pombares – Aquilo que eu disse há bocado mantém-se. Quando era eu e o Henrique era a mesma coisa: “Nós estávamos a escrever, aparecia o câmera, fazíamos o ‘É como diz o outro’ e nós ficávamos no mesmo sítio a escrever”. No Ferro Activo era a mesma coisa, nós estávamos a trabalhar, aparecia a equipa de produção, filmava, ia-se embora e nós continuávamos a escrever. O que acontece é que nós acabámos por aproveitar a nossa situação para fazer humor que vive da própria situação. Nunca pensámos: “Bora fazer um sketch na praia”. Tem muito que ver com contexto e com situação. Tanto que vive tudo na mesma casa.

Algum sketch que tenham escrito e que não tenha ido para o ar?

Todos – Não, não.

Roberto – Houve uns que não deviam ter ido para o ar (risos).

Ou seja neste momento não têm nenhum sketch de Ferro Activo na gaveta, guardado?

Roberto – Deixa-me fazer um parêntesis: o Ferro Activo não foi escrito, nada daquilo foi escrito. Houve um sketch que foi escrito. Na primeira temporada fizemos 8 episódios de 15 minutos e gravámos 99 sketches. Havia uma coisa que nós combatíamos sempre, de muita coisa que víamos e outras que até escrevíamos, que era: quando a piada está feita o sketch deve acabar. E o que se vê mais aí, em variadíssimos programas, é arrastar um sketch nove minutos quando a piada está feita ao segundo minuto. Tentámos sempre não fazer isso. Tínhamos sketches de trinta segundos. Mas sobre esse tal sketch que teve de ser escrito: só foi escrito porque era preciso ser lido. Foi aquele da leitura do filme porno.

Pombares – Sim.

Roberto – Porque precisávamos de ter ali um papel para ir lendo. Foi o único.

Não tinha ficado com essa ideia de que não estava nada escrito.

Henrique – Nós tínhamos as ideias no dia anterior. Chegávamos e primeiro fazíamos uma coisa: pensávamos no sketch. Depois atribuíamos, independentemente de quem é que teve a ideia, quem é que faz o quê. A partir daí cada um tinha o tempo mínimo para trabalhar, sei lá…

Roberto – Um cigarro.

Henrique – Para pensar: “O que é que eu vou dizer? Como é que é que eu faço aqui?”

Roberto – E como é que é o fim.

Henrique – E fazíamos isto em minutos.

E as interações durante os sketches estavam todas pensadas?

Roberto – Zero, zero. E havia coisas muito boas que era surpresas uns para os outros.

Henrique – Preparávamos coisas que o outro não sabia para o obrigar a rir.

Roberto – Já para ter bons bloopers, só.

Isso assim era um bocado o jogo do “Vou-te fazer rir”…

Todos – Exatamente.

Roberto – E conseguíamos.

Pombares – Esse da leitura do filme porno foi muito difícil de fazer.

Roberto – E escrever.

Pombares – Bem… e isso escrever. Mas foi aquele sketch em que eu não conseguia. Eu pensei que não íamos fazer. Eu não conseguia mesmo, mesmo. Foi um trabalho de edição maravilhoso, porque foi ali corte a corte.

Henrique – E algum confrangimento com as figurantes, que eram de uma agência de casting que se chamava Tripé Visual (risos).

Henrique – Estão a ver bem o nível de casting que nós tínhamos. Era só Tripé Visual, só trabalhávamos com “Tripé Visual”. Então, havia o desconforto de estarmos com umas miúdas que não conhecíamos muito bem.

Roberto – Exato, aquilo como não era escrito, ali a 20 minutos de gravar entravam seis miúdas. E um sketch em que uma tinha de beijar um gajo, outra tinha de fazer outra coisa, epá, era tudo um bocado… badalhoco. Quem é que agora vai dizer às miúdas o que elas têm de fazer. Nós viámos qual delas é que era a mais indicada (risos) e qual é que não vinha com o pai (risos). A que tinha o pai chegou a fazer um sketch perfeitamente normal.

O pai ficou a assistir?

Henrique – Ficou a assistir!

Quem é que nesses momentos ia falar com as pessoas?

Roberto – Era o Henrique (risos).

Porquê?

Pombares – Tem mais credibilidade. É o único adulto (risos).

Roberto – Exato.

Fotografia: Diogo Ventura

Atualmente escrevem para muitos dos roasts que têm acontecido em Portugal. Existiu alguma coisa que vocês tenham escrito que a pessoa tenha recusado dizer?

Pombares – Normalmente o que acontece é que os convidados sabem que vão “levar”, portanto, é bom que tenham profissionais a defendê-los. Era o que eu quereria.

Alguns roasts foram criticados porque os convidados fugiam um bocado do guião.

Roberto – Sim, geralmente corre mal. Quando isso acontece geralmente corre muito mal.

Em que casos é que isso aconteceu.

Roberto – A Joana Amaral Dias, no caso do roast ao Toy. A Merche no do Ljubomir.

É frustrante para vocês, que dedicaram algum tempo àquilo e depois em palco a pessoa não cumpre?

Roberto – Sim, para nós é. Para eles é muito pior (risos).

Pombares – Sim, estão em frente a 5 mil pessoas e só se ouve um grilo.

Gostam de esrever estes roasts? Têm algum fascínio por este estilo de humor mais agressivo?

Roberto – Sim, nós estamos muito confortáveis porque escrevemos… não todas as piadas, mas muitas são brutas, e eles é que as dizem uns aos outros. Nós só rimos (risos).

Vocês ajudam várias pessoas no mesmo roast?

Pombares – Sim. Normalmente escrevemos para os que não são comediantes.

Agora que este fenómeno dos roasts chegou a Portugal, qual é a vossa opinião?

Roberto – Um roast no Campo Pequeno, que leva 5 mil pessoas, esgota em semanas. Acho que está respondido.

Acham que os convidados têm sido as escolhas mais acertadas? Algumas pessoas criticam…

Pombares – Há aqui várias coisas sobre isso. Eu percebo as pessoas que criticam, mas no meio disto estamos a falar de um espetáculo gigante e que tem de fazer dinheiro. Se esperarmos só por humoristas portugueses para encher o Campo Pequeno, não vai acontecer. Não há malta suficiente nem qualidade suficente para encher o Campo Pequeno, é a minha opinião.

Roberto – E ainda não há tanta gente assim… Quando se começa a falar de roasts toda a gente tem N nomes. Mas, epá, ainda não há gente suficiente com aquele poder de encaixe e aquele espírito para alinhar nisto.

Pombares – Já houve roasts só com comediantes e se calhar aqui ninguém sabe que aconteceram. As pessoas dizem isso e não fazem sequer ideia dos telefonemas que foram feitos e as recusas que existem: “Podia ter levado não sei quem.” Está bem, nós ligámos e disse que não. “Então, para isso vai não sei quem.” Nós ligámos e disse que não. Portanto, é claro que há muita gente que são primeiras escolhas, há outras que não são primeiras escolhas.

Roberto – Só gente muito bem resolvida e sem telhados de vidro é que alinhas numa coisa destas.

Pombares – E não é fácil. Eu escrevo, mas não era capaz de ir. Não estou armado em campeão. Quem o faz tem um mérito brutal.

Roberto – Muitas vezes não é pelo formato em si, mas aquilo é um painel que junta dez pessoas. Às vezes basta haver um que não gosta de determinadas pessoa e já não quer ir. É um sudoku.

Quem é a personalidade que vocês gostavam que levasse um roast ou acham que merecia levar um roast?

Pombares – O próximo roast.

Roberto – Felizmente na escolha do alvo central não têm existido planos B e C.

Vocês propõe pessoas?

Roberto – Não. Há aqui uma produtora, que é a Meio Termo, na pessoa do Nelson Fernandes, com quem idealizamos isto tudo. Escolhe-se o convidado e tenta-se fazer um painel. Consoante aquele convidado, escolhem-se pessoas que combinem. E a partir daí é: um pode, outro não pode, é tentar e fazer acontecer.

Pombares – E não é nada fácil chegar a um painel final. Nada fácil.

Existiram várias séries de sketches em Portugal: Gato Fedorento, Os Contemporâneos, algumas mais recentes na internet. Se tivessem de ordenar onde é que se encaixaria o Ferro Activo?

Pombares – Não te sei dizer. Acho que cada um tem o seu estilo próprio. O caso do Gato Fedorento foi muito importante e é incontornável. Para mim estão no top. Não há muito a dizer em relação a isso. O Ferro Activo é um bocado suspeito, é uma coisa do coração, não há muito a dizer em relação a isso. O que nos traz à terra é muitas vezes o feedback que temos das pessoas: que é exageradíssimo.

Roberto – Não há meio termo, é esquisito.

Pombares – É a melhor cena de sempre do universo. É uma parvoíce. Os nossos fãs são muito hardcore.

Recebem mensagens de pessoas a dizer para voltarem?

Roberto – Pago, pago. E nós: não é preciso.

Pombares – É verdade, é mesmo verdade.

Roberto – É exagerado, quer dizer, não é (risos).

Henrique – Uma vez estávamos a jantar não sei onde, e vieram os Xutos e Pontapés em êxtase dizer que o Ferro Activo era incrível.

Pombares – O Kalú (baterista).

Roberto – Em digressão faziam as viagens a ver Ferro Activo. Mas nós temos um público muito específico, não é? É seguranças de hipermercados, cozinheiras, forcados… Uma vez estávamos a jantar no Campo Pequeno e veio um grupo de forcados a dizer: “Eia, os gajos do Ferro Activo!”

Pombares – Mas há uma coisa muito engraçada que é, de nós os três, o Roberto é o único que é reconhecido variadíssimas vezes. Eu e o Henrique ninguém sabe quem nós somos.

Se calhar algumas das cenas mais icónicas foi ele que fez…

Pombares – Realmente ele é muito voluntarioso (risos) e faz coisas que eu e o Henrique não fazemos. É verdade.

Roberto – É o gajo que bebe mais.

Mas o sketch em que usas os calções de banho azuis já estava pensado seres tu?

Henrique – A questão é essa: quando temos a ideias nunca pensamos quem faz o quê. E quando chegava a altura o Roberto dizia sempre: “Eu faço isso”

Sendo vocês guionistas já consideram a possibilidade de ter conteúdos vossos produzidos exclusivamente para a internet?

Roberto – Para o SAPO (risos).

Para o SAPO Vídeos. Ainda encontrei algumas coisas vossas lá. Agora estão com o “Desliga a TV” na RTP1, mas têm alguma ideia para um novo projeto escrito por vocês os três? 

Henrique – Estamos a considerar voltar a fazer uma série de Ferro Activo.

É a sério? Lembro-me de ouvir uma entrevista do Pombares em que disseste que estava fora de questão.

Pombares – E estava fora de questão.

Quando é que voltou a estar dentro de questão?

Roberto – Foi hoje.

Henrique – Foi hoje.

Pombares – Foi hoje ao jantar. É mesmo! Ao jantar.

Roberto – Estás com uma lágrima no olho.

Não, estou a tentar perceber se é mesmo verdade.

Henrique – É verdade.

Pombares – É mesmo verdade, nunca diríamos isto se não fosse mesmo verdade.

O que é que vos deu o clique?

Roberto – Epá foi…

Henrique – Medronho (risos).

Pombares – Se calhar convém explicar primeiro porque é que acabou.

O que é que aconteceu?

Henrique – Acabou porque eu fui a Yoko Ono [mulher de John Lennon] do grupo. (risos)

Pombares – Mas com um rabo melhor, a Yoko Ono é muito fraquinha (risos).

Henrique – Basicamente disse que não queria fazer mais, porque achei que aquilo já não me interessava. É complicado quando três pessoas trabalham muito tempo juntas; as questões dos egos e as questões criativas são complicadas, não estava um ambiente muito porreiro e achei que já não era fun estar a fazer aquilo e disse que não queria fazer mais. Entretanto passaram estes anos todos, voltámos a falar, e chegámos à conclusão de que precisámos de estar este tempo todo minimamente afastados e a não trabalhar como trabalhávamos – era uma coisa muito intensa, eu estava mais tempo com eles do que em casa com a minha mulher. Chegava a um ponto que era muito, muito complicado. Hoje voltámos a falar nisso e estabelecemos aqui umas regras de trabalho e estamos a pensar voltar.

Regras…do estilo?

Henrique – Nós tínhamos uma regra que era: se dois concordassem com um sketch fazia-se. Hoje decidimos que há direito de veto. Se alguém não quer fazer o sketch, não se faz. É uma regra importante quando se trabalha a três, poque dois podem gostar muito, mas o outro que está ligado ao projeto não gosta do sketch e vê-se representado naquilo. Concordámos que nos encontrávamos para ter as ideias para os sketches, para gravar e não íamos ter aquela vida intensa de estar 24 horas sempre juntos. Chega a uma altura que é complicado.

Pombares – No fundo era o que estávamos a dizer. É um bocado como o casamento: não faz muito sentido (risos). Eu vou elaborar. Quando estás muitos anos e muito tempo com a mesma pessoa cansa. Eu posso dizer isto porque sou solteiro (risos) Há aqui pessoal que não pode dizer, mas está a pensar no mesmo que eu. Cansa muito. No nosso caso acabámos por nos divorciar, mas conseguimos perceber qual era o problema do nosso casamento e estamos a…

Roberto – Fazer terapia.

Pombares – Exatamente. Estamos a resolver. Já que não podemos meter mais pessoas, como os casamentos de jeito (risos). Temos de ser nós na mesma, mas é estarmos menos tempo juntos. Estávamos a falar sobre isso há bocado: a Christiane Torloni, atriz brasileira, viveu ou vive durante muitíssimos anos com a mesma pessoa em casas separadas. O segredo do casamento é esse. Ela disse uma frase que era, acho eu: “Separados descobrimos o segredo de vivermos juntos”

Roberto – Deixa-me só fazer uma ressalva: Não é o não estarmos muito tempo juntos porque não nos damos bem, ou não sejamos amigos – não tem nada a ver com isso. Enquanto autores pensamos, algumas vezes, de formas diferentes, só isso.

Pombares – É como os casais. Amam-se, estão juntos, às vezes é duro estar todos os dias juntos. E traz às vezes o pior de nós. É injusto para os outros, porque vou tornar-me uma pessoa diferente. Mais azeda, mais desagradável. Assim secamos a coisa e ficamos só com o best-off da nossa relação.

Henrique – E aconteceu outra coisa interessante. O primeiro Ferro Activo para nós era uma coisa divertida, não era trabalho. A segunda edição que fizemos já era trabalho. E nós notámos isso, já tínhamos que estar às tantas horas para gravar, tínhamos maquilhagem. Já não era aquela coisa divertida de outros tempos.

Já não era recreio.

Roberto – Imagina maquilhagem…

Henrique – Nós de trabalho já estávamos fartos.

Ou seja, voltando será outra vez para o Canal Q?

Henrique – Não fazemos ideia.

Pombares – Nem pensámos nisso.

Estavas a explicar essa nova regra de…

Henrique – Direito de veto.

Exato, obrigado. Existiu então algum sketch de que não gostavam mais fizeram?

Henrique – Sim, sketchs de que eu não gostava, de que o Pombares não gostava, de que o Roberto não gostava.

Tens algum exemplo?

Henrique – Não sei se vamos estar aqui a revelar.

Pombares – Podes dizer, podes dizer, acho que é giro as pessoas saberem.

Henrique – Epá, lembro-me daquele sketch da…

Pombares – Da abóbora?

Henrique – Da abóbora. Muita gente adorou, eu detestei aquele sketch.

Por isso é que não apareces nesse sketch (risos).

Pombares – A mim aconteceu-me com um da dança. Era uma festa em que não aparecia ninguém.

Roberto – E o que a gente gosta de dançar, atenção (risos).

Pombares – Foi a única vez que dançei na minha vida, foi naquele sketch.

Roberto – E nota-se (risos)

Pombares – Senti-me muito desconfortável. Era tipo take one for the team. Odiei ver. Epá não gostei nada.

Henrique – É complicado gerir três pessoas criativas, três egos. Se existirem aqui umas regras a coisa faz-se.

Roberto, algum sketch?

Roberto – Eu gosto de todos! (risos)

Existiu alguma proposta, de algum canal, para voltarem durante esta pausa?

Roberto – De canal é capaz de ter havido. O Canal Q, aliás, nós tivemos à beira de fazer uma segunda temporada, totalmente diferente daquela que fizemos para a RTP.

Totalmente diferente?

Roberto – Era outra ideia, outro conceito.

Mas que conceito?

Henrique – Não queremos revelar porque pode ser a próxima.

Roberto – Acabou por não acontecer, depois a outra aconteceu. Mas a nossa ideia de voltar a fazer não tem nada a ver com propostas. Fazemos e depois logo se vê.

Pombares – Vai a leilão.

Obviamente ainda não discutiram isto a fundo, mas a ideia será manter a ideia do cenário, sem grande produção?

Roberto – Não faz sentido.

Henrique – Não faz sentido neste projeto. Até acho que aquele lado meio artesanal ajuda o Ferro Activo. Quando tentámos crescer um bocadinho em termos de produção, na segunda temporada…

Roberto – Já estávamos a pensar em função do que sabíamos que íamos ter: uma grande casa, uma piscina, isto e aquilo. E condicionou-nos de alguma forma já a pensar num universo que não era o nosso.

Henrique – Têm de ser três desgraçados.

Roberto – Temos de ser nós.

Pombares – Fizemos tipo “patos bravos” e correu mal.

Têm algum sketch que guardem como favorito?

Roberto – Vários.

Henrique – Eu gosto do exame à próstata.

Roberto – Esse sketch foi feito, sem exagero, em quarenta ou cinquenta takes. Foi frase a frase. Porque, lá está, era daquelas ideias que estava escrita num papel: “Um pede ao outro para meter o dedo no cu”, e era só aquilo (risos).

Henrique – Reparem no brilhantismo da ideia.

Roberto – Estávamos a fumar um cigarro e a pensar: “Isto era o quê?”. O Henrique é que fazia grande parte da construção da história, disse-me como é que acabava, mas o caminho não me revelou, então era a cada frase. Quem viu sabe. Aquilo entra por um caminho desgraçado.

Henrique – E gosto muito do fim, do Roberto, que é: “Podemos beber um Bailey’s primeiro?” (risos)

 

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