A sensibilidade moderna está a ser substituída por algoritmos

por João Pinho,    29 Abril, 2018
A sensibilidade moderna está a ser substituída por algoritmos
PUB

A sensibilidade moderna está a ser substituída por algoritmos de plataformas como a Google e o Facebook ou ainda por uma cultura de policiamento generalizada. Hoje em dia, dificilmente conseguimos proferir uma opinião sem chocarmos com a ideia de racismo, de machismo, de imoral ou de apropriação cultural.

Ao mesmo tempo que não se podem publicar imagens de quadros ou estátuas onde o ser humano está nu (cuidado com o mamilo), ainda estamos a discutir dentro da sociedade se devemos chamar “negro” ou “preto” a um cidadão negro. Apesar de não haver uma palavra necessariamente mais correcta que a outra, fomos criando através das redes sociais e da net uma cultura de policiamento onde cada um de nós tem o dever de inspecionar o que os outros escrevem ou dizem e cada um de nós ainda tem o papel de juíz moralista e julgador. Somos o trium virato perfeito e o nosso poder foi dado por nós e pelo movimento em si. O resultado é bastante previsível. Uma confusão desmesurável onde não nos sentimos seguros de partilhar as nossas opiniões com receio de sermos mal interpretados e de nos tornarem numa pária da sociedade.

Apesar dos benefícios da globalização, acabámos por chocar frontalmente com as variadíssimas culturais. Já não compreendemos o humor e as suas qualidades como é o caso da ironia, alienamos a ideia de liberdade individual e qualquer coisa pode ser considerada de racismo. Na cultura, o movimento contra o whitewhasing descarrilou e agora qualquer coisa é apropriação cultural e ofensivo. Mais recentemente, surgiram algumas críticas clamando que o último filme do realizador americano Wes Anderson é racista e ofensivo ao criar estereótipos da cultura japonesa. Insinuam que o realizador consegue fazer isso ao passar uma imagem denegrida de uma sociedade caracterizada por corrupção, gangues ou simplesmente por caracteriza-la através de chefes de sushi ou lutadores de sumo.

O mais assustador nisto é que aos poucos parece que os cidadãos vão perdendo uma noção de relativização e de contexto. O realizador em questão criou uma fábula onde conjuga uma mitologia fantástica com certos aspectos da cultura nipônica factuais. Criou um mundo onde a elite política é corrupta e tem planos malévolos, mas isso não significa de nenhuma forma que está a insinuar que a elite política é necessariamente assim, muito menos a japonesa. Da mesma forma que naturalmente não significa que os japoneses preferem gatos a cães ou que o único desporto nesse país é o sumo, nem necessariamente existem nerds hackers de óculos. Da mesma forma podemos aplicar a mesma lógica à escolha de usar a língua inglesa para os cães. O objectivo nunca foi colocar as duas línguas em diferentes posições, sendo uma superior à outra. Trata-se simplesmente de uma forma inteligente de caracterizar o fosso comunicacional entre as duas espécies em causa. Acima de tudo, é uma escolha e não vale a pena ficarmos a pensar em conspirações muito complexas da parte do realizador. Uma fantasia dá total liberdade ao autor de criar um mundo complexo e contrastante, onde certos pormenores podem estar presentes porque corroboram com a realidade do nosso quotiano ou de uma cultura ou então para contrariar certas ideias já pré-definidas. Não houve uma apropriação cultural da parte de um americano que considera a sua pele ou a sua cultura superior à de outros. Esse tipo de pensamento tem por base já um raciocínio doentio que pretende que qualquer acto seja imoral e não dá qualquer liberdade ao artista.

Estamos a caminhar em direção a um futuro muito perigoso onde seremos todos robôs que só respondem perante um código moral aceitável para todos e ao qual todos aceitaram como um todo. Assim, nunca ocorrerão quaisquer tipos de choques entre as artes e a sociedade, desde o humor até à pintura ou aos filmes. Se tudo é racismo, então, na realidade, não existe racismo. Se tudo é reprovável, então o melhor é todos nós apagarmos as nossas contas das redes sociais, não escrevermos nem mais uma palavra e confinarmo-nos à nossa casa, talvez aí seja o único lugar seguro no meio deste caos.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados