A partida de Laura

por Luís Osório,    26 Fevereiro, 2020
A partida de Laura
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Laura Ferreira morreu ontem. Neste mesmo espaço escrevi sobre ela há umas semanas. Sobre eles, Laura e Pedro. Mais até sobre ele, ex-primeiro-ministro, sobre o modo como se deu, como a acompanhou em sessões intermináveis no hospital público onde Laura passou uma parte importante dos últimos cinco anos.

O Pedro envelheceu nestes anos. A sombra parece ter caído no seu corpo, no seu olhar, notei-lhe o cansaço do que é trivial, das pequenas batalhas políticas, das minudências, notei-o na nossa última e recente conversa, um abraço forte que me deu numa espécie de agradecimento pelo texto que escrevi sobre eles, sobre a Laura, a mulher de quem agora se despediu.

Duas breves palavras, apenas.

A primeira para falar da dignidade. É raro encontrar pessoas públicas que encarem a doença como eles o fizeram. Pedro Passos Coelho nunca vacilou no silêncio que a si próprio se obrigou. Laura a mesma coisa. Seria fácil procurar o acompanhamento afetivo do país, queixar-se do destino, deixar cair uma confidência ou outra coisa do género. Nunca o fez. E isso é uma lição para todos.

A segunda nota para Laura. Pelo mesmo motivo. A que acrescento a grandeza de nunca se ter escondido. Quando começou a coxear. Quando perdeu o cabelo. Quando se começou a degradar fisicamente aos olhos do país. Nunca abriu a boca sobre a sua condição. E nunca se escondeu. E essa é também uma lição para todos.

Camané cantou hoje para doentes no IPO, alguns com muito pouca esperança de vida. Comoveu-se e comoveu. A Laura já não estava. Mas estavam muitas outras Lauras e muitos outros Pedros. E muitos médicos e enfermeiros que fazem o que é preciso – e que carregam toda uma vida com o fardo da morte e a obrigatoeridade da esperança.

A minha mãe morreu de cancro. Poucas semanas entre o diagnóstico e a sentença. A minha tia Cristina, a mulher que me criou, também morreu ao fim de vários anos de luta. Sei das sombras. Tanto como da luz. E agora, neste preciso momento, oiço Camané (acompanhado por Mário Laginha ao piano). “Com que voz”, diz-me ao que em mim é silêncio. Fiquemos assim.

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