A memória colonial vai ser debatida da Culturgest. Mas há muito mais até ao fim do ano

por Comunidade Cultura e Arte,    19 Julho, 2019
A memória colonial vai ser debatida da Culturgest. Mas há muito mais até ao fim do ano
“Os Filhos do Colonialismo” / Fotografia de Hotel Europa
PUB

A programação da nova temporada da Culturgest tem início a 17 de setembro com o já anunciado concerto de Gabriel Ferrandini e, como sempre, apresenta diversas propostas de música, teatro, dança, performance, conferências, exposições, cinema e programação para escolas e famílias. Bilhetes à venda a partir de 19 julho.

Ciclo Memórias Coloniais
Um dos destaques do programa é o Ciclo Memórias Coloniais, que tem lugar de 19 de setembro a 5 de outubro e inclui conferências, debates, um ciclo de filmes (com entrada livre), uma performance de 13 horas e o espetáculo de teatro Os Filhos do Colonialismo, nova criação do Hotel Europa, apresentado em estreia absoluta.

O que as pessoas que viveram o colonialismo transmitiram às gerações contemporâneas? Qual é o legado atual deste passado recente? O debate sobre as memórias do período colonial tem ocupado o espaço público e a produção artística de forma intensa. Este ciclo abre espaço a este tema, acolhendo pessoas e projetos implicados em continuidade na sua pesquisa. Um convite à reflexão.

A nova criação do Hotel Europa investiga a relação que as gerações nascidas depois do 25 de abril têm com o colonialismo português e as memórias que lhes foram transmitidas desses tempos. A partir de uma extensa recolha de testemunhos, tem lugar uma profunda reflexão – que estará em cena de 26 a 28 de setembro – sobre como o passado colonial se manifesta em Portugal e na Europa de hoje e nos movimentos que ainda exigem a descolonização da história e do pensamento dos antigos países imperiais.

“Virgens Suicidas”, espetáculo inspirado no texto homónimo de Jeffrey Eugenides / Fotografia de Bruno Simao

O colonialismo e as suas consequências tem sido o tema de eleição da companhia de teatro Hotel Europa e, no contexto deste ciclo, André Amálio (diretor artístico do Hotel Europa) abre o seu arquivo pessoal de entrevistas, livros, vídeos, fotografias de família e documentos da guerra e revisita as suas criações teatrais na performance de 13 horas, no dia 5 de outubro, O Fim do Colonialismo Português que será apresentada para além da peça de teatro.

O ciclo apresenta ainda um programa de conferências e debates. No dia 19 de setembro, os grupos de investigação AFRO-PORT Afrodescendência em Portugal (ISEG) e Discursos Memorialistas e a Construção da História (Faculdade de Letras Universidade de Lisboa) apresentam a conferência Políticas da Memória Seletiva da historiadora marroquina Fátima Harrak. Uma reflexão sobre os efeitos da “memória seletiva” no presente político atual, onde a autora defende uma “história cruzada” dos colonizadores e dos povos colonizados e, no dia 26 de setembro, a conferência Memórias Africanas em Portugal, com Julião Soares de Sousa (Centro de Estudos Interdisciplinares do século XX, Universidade de Coimbra), Inocência Mata (Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa), Iolanda Évora (Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, ISEG, Universidade de Lisboa) e Carla Fernandes (AfroLis), sobre as memórias dos africanos durante a época colonial.

Tudo passa, exceto o passado é um programa sobre a herança colonial no espaço público, em museus e nos arquivos de vários países europeus, liderado pelo Goethe Institut. Chega a Portugal sob o formato de uma mesa redonda e um ciclo de filmes e debates sobre os arquivos cinematográficos pós-coloniais, que tem lugar nos dias 24 a 27 de setembro.

O projeto MEMOIRS — Filhos do Império e Pós-memórias Europeias, que junta investigadores da França, Bélgica e Portugal, apresenta, no dia 3 de outubro, um debate, uma sessão de cinema e uma performance à volta da mesma questão: como se manifestam as memórias do fim do colonialismo em termos sociais, culturais e artísticos na Europa.

Dança

Na dança, Vera Mantero apresenta O Limpo e o Sujo, nos dias 29 e 30 de novembro, abordando a relação umbilical entre a interrogação da subjetividade e a interação com o mundo exterior, colocando-as no debate sobre a sustentabilidade da presença humana no planeta.

Já em 2020, de 30 de janeiro a 2 de fevereiro, Tânia Carvalhoapresenta a nova criação Onironauta, uma coprodução da Culturgest que nos remete para o mundo dos sonhos e do invisível.
Nos dias 21 e 22 de fevereiro, o bailarino e coréografo francês Boris Charmatz apresenta 10000 gestes, uma peça em que nenhum gesto é jamais repetido, uma homenagem à própria natureza efémera da dança.

Vera Mantero apresenta “O Limpo e o Sujo”

Anne Teresa de Keersmaeker e a sua companhia Rosas regressam à Culturgest com A Love Supreme, cocriação com Salva Sanchis a 22 e 23 de maio. A peça tem como base o aclamado e galardoado álbum homónimo de John Coltrane.
Será ainda apresentada, coproduzida pela Culturgest a nova criação da bailarina e coreógrafa que no ano passado recebeu o Leão de Prata na Bienal de Veneza, Marlene Monteiro Freitas nos dias 18, 19 e 20 junho de 2020.

Teatro

Em dezembro (dias 13 e 14) é apresentado o espetáculo Incêndios, uma criação do encenador português Victor de Oliveira e dos artistas moçambicanos David Aguacheiro, Nandele Maguni e Caldino Perema. Conta com um elenco de dez atores moçambicanos, entre os quais Ana Magaia, uma das mais conceituadas atrizes do país. Coproduzida pela Culturgest, a peça foi criada em Maputo, onde irá estrear em agosto deste ano.

Em 2020, de 15 a 18 de janeiro, John Romão estreia, no Grande Auditório, Virgens Suicidas, espetáculo inspirado no texto homónimo de Jeffrey Eugenides, adaptado para cinema em 1999 por Sofia Coppola, e na novela Mine-Haha de Frank Wedekind. Interpretado por Luísa Cruz, Vera Mantero, Mariana Tengner Barros, entre outras, o espetáculo retrata a educação de um grupo de raparigas adolescentes dedicadas à educação física, ao teatro e à dança.

Música

A programação da nova temporada da Culturgest tem início a 17 de setembro com o já anunciado concerto de Gabriel Ferrandini com Alexander von Schlippenbach, para apresentar o álbum Volúpias.

Em outubro, o estrondosamente ágil pianista Lubomyr Melnyk apresenta ao vivo, no dia 2, o álbum Fallen Trees, lançado no final de 2018 e, no dia 31, o quarteto de jazz composto por Rodrigo Amado (saxofone tenor), Joe Mcphee (trompete, saxofone soprano), Kent Kessler (contrabaixo) e Chris Corsano (bateria) sobe ao palco do Grande Auditório.

A produtora norte-americana Holly Herndon acabou de lançar o seu quinto álbum – Proto – e vem à Culturgest, a 14 de novembro, apresentar esta sua nova aventura na música eletrónica.

Holly Herndon

No dia 10 de dezembro, há um filme-concerto Híbridos, Os Espíritos do Brasil, com edição vídeo em tempo real dos realizadores Vincent Moon e Priscilla Telmon com a música ao vivo do produtor libanês Rabih Beani (eletrónica) e do português Tiago Miranda (efeitos e percussão), uma viagem ao Brasil através de diversos rituais, desde a maior procissão católica do mundo a um ritual indígena, passando por centros espíritas ou novos rituais, resultado de quatro anos de pesquisa por parte da dupla Moon e Telmon.

Finalmente, também em dezembro, no dia 20, há celebração natalícia, com o regresso ao Grande Auditório, do trio Montanhas Azuis (Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas), com novos arranjos, temas inéditos e muitos convidados, fechando um ciclo que foi iniciado pelos próprios no primeiro concerto de 2019 da Culturgest, com sala esgotada.

Artes Visuais

No que diz respeito a exposições, na Culturgest, em Lisboa, a 4 de outubro inaugura O que é o Ornamento? no âmbito da Trienal de Arquitectura de Lisboa, com curadoria de Ambra Fabi e Giovanni Piovene. Até 1 de dezembro, a exposição sublinha a forma como o ornamento nunca desapareceu completamente, reconectando-se à sua longa história e ao modo como ainda hoje é uma questão essencial da arquitetura contemporânea, e apresenta diferentes perspetivas sobre o seu significado através de obras de arte, objetos, móveis, livros, filmes e fotografias em seis núcleos que transcendem a história e apagam as fronteiras entre disciplinas.

Álvaro Lapa será alvo de uma exposição que pode ser visitada de 25 de janeiro a 19 de abril (com inauguração na noite de 24 de janeiro), com curadoria de Óscar Faria. Lendo Resolve-se: Álvaro Lapa e a Literatura parte da série de pinturas Os Cadernos de Escritores que o pintor e escritor português realizou entre 1975 e 2005 (um ano antes da sua morte) e sublinha os constantes reenvios que o artista promovia entre pintura e literatura, numa tentativa de descodificar a sua obra enigmática, marcada pela constante ideia de atrito. Trata-se também de salientar a idiossincrasia de um dos projetos mais relevantes da arte portuguesa do século XX através das homenagens a autores maiores — Homero, Pessoa, Kafka, William Burroughs ou Beckett — realizada por Lapa ao longo de 30 anos.

“Le Jardin Perdu” vai estar no festival CINANIMA, em Dezembro

De 7 de março a 5 de julho, o som será tema de Uma exposição invisível, com curadoria de Delfim Sardo. Apresenta obras sonoras que, desde as primeiras vanguardas do século XX até hoje, expandem a relação entre o som e o espaço, desde os trabalhos pioneiros de Kurt Schwitters e Luigi Russolo, passando por obras históricas de On Kawara ou Bruce Nauman até trabalhos recentes de Ricardo Jacinto ou Janet Cardiff. Esta exposição é uma versão ampliada da exposição originalmente concebida por Delfim Sardo e apresentada no MARCO, em Vigo, no Centro José Guerrero de Granada e no CCA de Tel Aviv.

Em maio, é apresentada a primeira exposição antológica de Gabriela Albergaria, artista portuguesa que vive e trabalha em Londres. O seu percurso no campo do desenho e da escultura é permanentemente pautado por uma cuidadosa investigação sobre a nossa relação com a natureza. Nas suas esculturas, nos seus desenhos ou no trabalho que inclui a fotografia, a representação da natureza é sempre orientada por um olhar que revela os processos históricos e percetivos da aculturação do natural e da sua apropriação.

Boris Charmatz apresenta “10000 gestes”

No Porto, a Culturgest recebe duas exposições que fazem parte do projeto Reação em Cadeia, desenvolvido em parceria com a Fidelidade Arte (Chiado), com curadoria de Delfim Sardo: de 14 de setembro a 5 de janeiro (inauguração: 13 de setembro), Jimmie Durham: Acha que Minto? inclui obras inspiradas no livro de José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis — que Durham considera um livro de referência para si e para a história do séc. XX —, as obras incluem citações do texto que, datilografadas ou manuscritas, integram individualmente cada uma das peças, não se constituindo, no entanto, como metáforas ou ilustrações. O percurso de Jimmie Durham (EUA, 1940), vencedor do Leão de Ouro, este ano, na 58. ª Bienal de Veneza, cruza a poesia, o ativismo político e a prática artística numa enorme coerência que tem dado novos sentidos à relação entre política e poética e esta exposição recupera um momento importante do seu percurso e, ao mesmo tempo, faz a ponte com o seu trabalho presente, demonstrando a sua aguda atualidade. De 18 de janeiro a 26 de abril (inauguração: 17 de janeiro), Sol Cego/Blind Sun, de Elisa Strinna, artista italiana que tem desenvolvido um trabalho sistemático sobre as relações entre os fluxos de comunicação e as tecnologias que permitem a sua condução e distribuição e o humano. As suas obras — escultura, vídeo, som e performance — partem da ideia física de condutores e cablagens, apresentadas como se pertencessem a um tempo perdido, uma referência à decadência inevitável do novo.

Fora de portas continua a itenerância da exposição Contra a Abstracção – Obras da Coleção da Caixa Geral de Depósitos até 27 de outubro de 2019, no Centro de Artes de Sines.

Conferências e Debates

Com acesso gratuito, para além da programação do Ciclo de Memórias Coloniais, a Culturgest apresenta o ciclo de conferências Campos de Colaboração, nos dias 19 e 20 de novembro, em parceria com o Instituto de História da Arte, ICNOVA Instituto de Comunicação, IFILNOVA Instituto de Filosofia e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, que pretende discutir a colaboração entre artistas ou dentro de coletivos.

Lubomyr Melnyk

Há uma conferência com Hamady Bocoum, arqueólogo e diretor do Museu das Civilizações Negras (Dakar, Senegal), que irá abordar o museu, as exposições dedicadas às antigas escritas, à oralidade e às máscaras das culturas de África.

Em 2020, há ainda Anthropocene Campus Lisboa: Parallax organizada pelo CIUHCT — Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia de 6 a 11 de janeiro, duas conferências e uma exposição da artista nova-iorquina Aidan Koch no átrio do Grande Auditório, que nos desafiam a entender, percorrer e moldar, de forma consciente, um futuro onde as forças da tecnologia, cultura, indústria e sociedade ajam de acordo com os limites e recursos do nosso planeta.

Crianças e Famílias

Para crianças e famílias, a Culturgest preparou um programa que inclui um espetáculo de dança da bailarina e coreógrafa Marina Nabais (de 13 a 17 de novembro). Em Branco é resultado do seu trabalho com diversos públicos e formatos ao longo de um ano sobre a ideia de Noite. Numa cama-palco ocupada por duas bailarinas e pelo público, infância e idade adulta encontram-se e atravessam a noite, entre o sono e a vigília. O sensorial é trazido pela interatividade, pela proximidade do cenário e por sons familiares.

Nos dias 23 e 24 de novembro, Caixa para Guardar o Vazio, de Fernanda Fragateiro é uma escultura mas também um acontecimento. Um lugar para explorar com o corpo e todos os sentidos numa experiência de descoberta, individual ou coletiva. A escultura que aparece como uma caixa fechada é ativada pelos corpos de dois bailarinos, que dialogam entre si e com o público, através do movimento e da voz, levando todos a olhar, a dançar, a interpretar, a descobrir e a sentir. Da autoria da artista plástica Fernanda Fragateiro, a estrutura — em madeira, aço e espelho — foi construída especificamente para crianças. Desafia o público a descobrir o lugar do corpo no espaço através da multiplicidade de vistas e de gestos. A acompanhar esta performance há uma exposição que pode ser visitada de 9 de novembro a 1 de dezembro.

Há ainda uma Maratona de Leitura (14 de dezembro) onde, ao longo de três horas, por toda a Culturgest vai ler-se em voz alta. Poesia, ficção, ensaio: literatura sem idade para todos os públicos. O público pode escolher só ouvir, mas também pode participar e ser um dos oradores da tarde, basta para isso inscrever-se antecipadamente e diversas oficinas de Natal.

Cinema

Como habitualmente, o cinema volta à Culturgest, para adultos e crianças, com mais uma edição dos festivais DocLisboa (outubro), CINANIMA (dezembro) e IndieLisboa (maio).

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados