A imortalidade do livro

por Comunidade Cultura e Arte,    22 Janeiro, 2019
A imortalidade do livro
Fotografia de Victor S. Melo / CCA
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A reacção dos que lá estão é sempre a mesma, o que está ele aqui a fazer sozinho? Estará à espera de alguém? Vai pegar num livro, vai ler? Sinto-me por vezes um ser estranho por escolher o meu silêncio, num local de ruído. Há dias em que encontro uma ou duas pessoas que decidiram desfrutar do mesmo prazer e instintivamente sorrimos, sabendo ambos que somos pecadores para esta sociedade. Ler é um hoje um pecado, um pecado porque para muitos é uma perda de tempo, algo desnecessário e que não produz qualquer bem-estar. Ler é precisamente o contrário disso, é uma descoberta de nós e do mundo, é uma evolução constante, afirmações que vou tentar provar através de três ensinamentos que encontrei nas minhas leituras e que provam a importância de uma sociedade que estima os seus livros e autores.

  • “No seio de uma espécie social a individualidade pouco passa de uma breve ficção.” (citação de Michel Houellebecq, em “O mapa e o território”)

A sociedade de hoje, uma sociedade massificada assente numa lógica consumista esmaga o indivíduo na sua singularidade. Hoje todos temos as mesmas respostas, de certa forma a opinião pública molda e direcciona o pensamento de uma sociedade. É indubitável que hoje a opinião pública dissipada pela comunicação social e redes sociais perdeu o rumo orientador da sua mensagem.

Hoje temos acesso a fragmentos de informação. É verdade que o acesso à informação não nos é vedado, contudo, e por inércia e hábito ficamos pelos fragmentos. Assim, pensamos, vestimos, falamos, andamos (termo actual de namorarmos) de forma igual, nada difere entre nós, o vizinho e o amigo.

Assim sendo, ler implica neste prisma ser diferente, não é uma diferença que se afirme a partida como positiva ou negativa, mas é uma diferença entre escolher pensar e pensar que escolhemos.

Ler, implica descobrir que o mundo não é propriamente feito de ideias novas, é perceber que muitas vezes a acção humana corresponde, até certo ponto, à repetição do passado, é entender que tudo tem um fundamento, um sentido, é perceber que todos somos ilhas que se adaptam para viver neste mundo sem fronteiras.

Ler não é só um prazer, não é apenas a necessidade de saber, é a procura de uma resposta fundamental, o que sou, o que faço aqui e quem são os outros? Perguntas que nunca terão uma resposta, porque se há coisa que os livros, os bons livros ensinam, é que a vida é um caminho pleno de metamorfose.

  • “Reconhecer a liberdade de outrem, dar-lhe razão contra o seu próprio sofrimento” (citação de André Malraux, em “A Condição Humana”)

Isto são os livros, são a nossa projeção de pensamento mais profundo, o prazer de ler uma frase e ter de parar para saborear esse pensamento do autor, que já não é do autor, mas sim do leitor, é talvez das sensações mais reveladoras e transformadoras que ousamos experimentar.

Assim, ler é perceber o espaço de cada um, ter a noção da dimensão do respeito perante o outro, da construção de cada um, da diferença e particularidade de todos nós.

Ler é construir uma liberdade para nós e para os outros, é descobrir que é na diferença que reside a singularidade de cada um, é na vontade geral que reside a soberania.

Nada vale ter uma nação soberana, sem indivíduos singulares. Porque sem o respeito à singularidade de cada um a liberdade é só um artifício.

  • “As ideias só podem ser neutralizadas por ideias … quanto mais repressiva for a lei, mais a inteligência eclodirá, como o vapor da válvula de uma máquina” (citação de Honoré de Balzac, em “Ilusões Perdidas”)

A força de uma ideia é talvez a lição mais importante que retirei dos bons livros.

Os fenómenos que temos assistido hoje são apenas meras repetições do passado. Os Europeus foram refugiados durante a Segunda Guerra Mundial, o Muro já existiu e caiu antes de eu ter nascido, a Extrema Direita já foi Governo em Itália (é agora outra vez), a Emancipação Feminina já foi agenda política da segunda metade do Séc. XX, bem como a violência no desporto foi um fenómeno social que muito preocupou Federações Internacionais e Governos Nacionais, anda por aí, como provam as sucessivas invasões às academias…

Como é possível elegermos e defendermos líderes com um discurso anti liberdade para combater os acontecimentos que põem em causa o nosso modo de vida. Uma ideia, só poderá ser combatida por outra ideia, nunca será uma lei repressiva, um discurso violento que vencerá esta ideia, pelo contrário. Combater ideias de extrema, com medidas repressivas e autoritárias, seja no espectro político de extrema direita, seja de extrema esquerda, é apenas e só um incentivo ao desenvolvimento dessa ideia.

O muro foi destruído com a mais bela ideia de todas, a liberdade! É hora de voltar a usar as ideias para combater as desigualdades existentes, o preconceito instalado, e os movimentos que ameaçam a democracia.

Os livros sempre foram os mecanismos de transmissão das ideias transformadoras, há coisas que nunca poderão ser ditas, somente escritas.

E nunca se esqueçam, ler pode ser também o ópio de uma mulher ou homem com charme e classe.

É altura de pedir um café e voltar a ler!

Texto de Diogo Farinha
Diogo Farinha, tenho 24 anos, sou licenciado em Direito pela Universidade do Minho. Não há nada melhor para mim do que parar e reflectir com um bom café e um belo livro. Aceito tudo, menos viver sem liberdade.

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