A história do Japão contada pelo Ukiyo-e

por Lucas Brandão,    10 Novembro, 2020
A história do Japão contada pelo Ukiyo-e
“Ryogoku Yanagibashi (Kawachiya)”, de Hiroshige
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Quando se pensa na expressão artística japonesa, é inevitável lembrar o ukiyo-e (à letra, os retratos do mundo flutuante). As suas xilogravuras retrataram figuras comuns da sociedade imperial japonesa, desde os atores de kabuki (um estilo de representação teatral japonês) até aos lutadores de sumo, sem deixar de esquecer o folclore e os cenários históricos. Também as paisagens, mas também cenas eróticas, foram temas sonantes nesta pintura que começou a ser composta nos finais do século XVII, numa fase em que Edo (agora Tóquio) já era a capital do Japão, no regime dos shoguns (um governo militar) do clã Tokugawa. Foi um período de reclusão para o exterior, onde só havia um porto internacional, apenas acessível aos holandeses. No entanto, assistiu-se a uma franca expansão económica e cultural da região, a arte acabou por ser um complemento direto dessa prosperidade, abrindo portas a uma vida mais ligada aos prazeres e ao seu retratar. Assim, de certa forma, a história do país foi-se registando nestes pedaços de madeira, onde o criador, o entalhador, o pintor e o publicador eram os quatro verdadeiros autores. Da madeira para o papel, a impressão transformava as pinturas feitas à mão numa referência estética e imagética que percorreu o Ocidente, nomeadamente o impressionismo e muito do design que se foi fazendo no século XX.

No período Heian (794-1185) da história do Japão, que corresponde ao período onde a atual cidade de Quioto era a capital do Japão, e onde as influências da China eram predominantes, começaram a emergir as primeiras formas de pintar no Japão: o yamato-e era um registo que procurava captar o detalhe nas suas narrativas muito naturais e tradicionais, que se celebrizou com a escola Tosa, sua sucessora já nos meados do milénio. O seu contraste era a escola Kano, que privilegiava a influência da pintura chinesa e que primava por cenários amplos e bem simbólicos, povoando, com tons monocromáticos, as figuras de poder do país. No entanto, a tinta era já a matéria privilegiada, que tanto marcou o ukiyo-e, e era uma atração para os mecenas, que faziam parte da aristocracia e das demais autoridades religiosas e militares. Também por isso a pintura era um bem de luxo, para além de ser produzida muito pontualmente, por ser feita à mão.

Já no século XVII, depois de uma prolongada guerra civil, da qual adveio a unificação das diferentes regiões do arquipélago, crescia uma classe na hierarquia social japonesa: a dos mercadores, que vinham ganhando protagonismo e força nos poderes locais e que, consigo, traziam um interesse redobrado pelas artes clássicas e, dentro delas, a pintura. Com essa unificação, já no século XVII, protagonizada pelo shogun (ou ditador militar) Tokugawa Ieyasu, que deu início a uma nova fase da história do Japão, nomeadamente com essa mudança de capital para Edo. Com uma administração rigorosa e centralizada (com a ajuda dos grandes lordes feudais, os daimyo, e dos já consolidados samurais), permitiu que o país estabilizasse nas suas estruturas políticas e sociais e que a atividade económica fosse bastante fomentada. Essa política, a sankin-kotai, alimentaria muitas pinturas de então, em especial as das próprias figuras que exerciam o poder.

Os mercadores puderam, assim, beneficiar do seu novo protagonismo com o alimentar de um espólio de peças artísticas para a decoração das suas casas, de forma a ostentar a sua riqueza. Entre elas, estavam, assim, estas xilogravuras (feitas na madeira), uma tradição que já existia, como já se referiu, há alguns séculos. A esta herança, juntavam-se as histórias folclóricas (tanrokubon) e hedonísticas (kanazoshi) escritas com o desenvolvimento da imprensa e do carater móvel, onde se juntaram as ilustrações que acompanhavam a narração destes cenários. Aliás, a conotação dos prazeres mundanos permitem descortinar outra aceção da palavra ukiyo, que, para o budismo, significa o mundo de sofrimento e de mágoa. Assim, a filosofia que se opunha era a de poder descurar essa carga negativa e densa da vida para um usufruto despreocupado e presente.

É neste contexto que, formalmente, nasceu o ukiyo-e. Tematicamente, é fruto do seu tempo, mas, esteticamente, vive muito da elaboração pictórica do yamato-e, onde as formas nascem das tintas a caírem na superfície húmida, dispersando-se em direção aos contornos dessas formas. Um dos grandes inspiradores deste estilo seria Iwasa Matabei, que retratava vários cenários das literaturas chinesa e japonesa. O primeiro trabalho a ser considerado como parte do uikyo-e seria “Hikone byobu”, um biombo que retrata um grupo de pessoas de Quioto a jogar e a tocar música. Embora sóbrio e leve, abriu as portas a esse quotidiano poder constar nas futuras xilogravuras. Um dos primeiros artistas a materializar essa realidade seria Hishikawa Moronobu, que pintou mais de 100 livros, nos quais apresentou formas mais fortes e vivas, a partir de uma linha firme e de um discurso entre as personagens bastante visual e espacial. Desenhou, também, uma série de retratos de mulheres, uma tendência que persistiu nos seus sucessores e admiradores, entre eles Sugimura Jihei, mais subtil, mas mais erótico (a arte shunga).

“The Tengu King Training his Pupils”, de Hishikawa Moronobu

Desta herança, beberam também Torii Kiyonobu I, que pintou muitas cenas do teatro kabuki (um estilo que passou a ser conhecido como o yakusha-e, e Kaigetsudo Ando, que se especializou em pinturas e não impressões xilográficas. Desse yakusha-e, nasceu a escola de Torii, que viu nascer várias gerações de artistas. Por sua vez, do talento de Ando, nasceu a escola de Kaigetsudo, que providenciou formação no estilo bijin-ga, o retrato de mulheres bonitas, para além de atores de kabuki, de lutadores de sumo, de paisagens, de cenas quotidianas e folclóricas, entre outras. Foram obras que se tornaram quase replicáveis e que originaram a produção em massa, correspondendo a uma procura que foi aumentando. Isto em Edo. Já em Quioto, era Nishikawa Sukenobu que se destacava, enquanto pintava figuras cortesãs, para além de outras obras de cariz erótico. De igual modo, fundador de uma escola seria Miyagawa Choshun, especialista na shunga pintando de forma subtil e delicada, ao invés de recorrer às xilogravuras. Era um pintor mais romântico e refinado, embora bem expressivo.

O ukiyo-e foi cada vez mais requisitado, assim como o uso da cor, sendo que o o estilo urushi-e, que era monocromática, era posta em causa. Foi assim que se proporcionou a transformação para o benizuri-e, com o recurso a várias xilogravuras, uma para o rosa e outra para o verde. Quem assistiu a esta transição foi Okumura Masanobu, que se desdobrou em cenários humorísticos com figuras coloridas e brilhantes. Um novo estilo, entretanto, chegou: o uki-e, que incorporou a noção ocidental de perspetiva linear, originando as obras em perspetiva, que Okumura também pintou. Pouco tempo depois, já no final do século XVIII, chegou o desenvolvimento das impressões totalmente coloridas, com os nishiki-e, sendo que cada bloco era impresso com uma cor distinta. Eram tintas pesadas e opacas as que eram usadas nesse suporte, um suporte orientado para a produção comercial. Suzuki Harunobu também foi relevante nesta fase, pintando vários cenários de poemas clássicos, mas também obras shunga e bijin-ga. Recorreu, todavia, a um uso mais abundante e expressivo da cor, com figuras luminosas e estreitas, sempre muito joviais e líricas.

Nessa fase, apareceu também Katsukawa Shunsho, um pintor que criou a sua própria escola, procurando destacar as figuras por detrás dos disfarces kabuki e dotando a sua pintura de um caráter mais realista, similar ao que fez nas pinturas de mulheres, pintando grandes cabeças. No seu encalço, estavam Koryusai (um dos pintores mais produtivos desse século XVIII) e Kitao Shigemasa, ambos destacados artistas sobre as tendências da moda urbana do seu tempo, para além dos retratos de geishas (mulheres artistas, dançarinas e cantoras trajadas e maquilhadas à boa maneira tradicional) e de mulheres cortesãs. Ainda com o discurso da perspetiva, o mais significativo pintor seria Utagawa Toyoharu, que pintaria autênticas paisagens flutuantes. Tamanha foi a sua importância que originou uma escola artística, ensinando, para além da pintura em perspetiva, a bijin-ga. Um dos seus pupilos seria Hiroshige, um dos grandes mestres do ukiyo-e. Desde as cinquenta e três estações de Tokaido, passando pelas sessenta e nove estações de Kiso Kaido (que pintou com Keisai Esen), até à série vertical das cem vistas famosas de Edo, foi um pintor que, gradualmente, abandonou os cânones do estilo e se tornou mais poético e ambiental, com um uso delicado e subtil da cor. Para isso, abrigou-se no bokashi (uma técnica usada para criar níveis de luminosidade na pintura, e seria um dos primeiros a influenciar outros pintores ocidentais, para além de dar uma grande importância aos aspetos diurnos e noturnos, desde o nevoeiro, a chuva, a neve e o luar.

No período que se prolongou até ao século XIX, o ukiyo-e permaneceu como uma força artística, em muito harmoniosa e com grande recurso ao belo, embora fosse temporário, dada a turbulência política que se alastrou até meados desse novo século, com a restauração Meiji, que estabilizou politicamente o país. Ainda nesse período antes do século XIX, era Torii Kiyonaga que pintava muitos dos mais belos retratos humanos e paisagísticos, entre dípticos e trípticos, com as mulheres a vestirem peças de vestuário que estavam na moda, posando em lugares bucólicos ou urbanos. De igual modo, pintava cenas do kabuki, com a presença dos músicos e do coro. As normas endureceriam neste período, já que os pintores só poderiam ver as suas obras a circular com uma chancela por parte do Estado. Utagawa Toyokuni, especialista nas pinturas de cenas do kabuki, e Utamaro Kitagawa, destacado pintor, que fazia grandes cabeças às mulheres que colocava nos seus trabalhos, pintando-as do tronco para cima (okubi-e), eram as grandes referências então. Utamaro era, até, um experimentador, recorrendo à linha e à cor para procurar formas de fazer variar as figuras que ia pintando, tanto pelo seu estatuto social, como pela sua profissão. Chocava, assim, com os ideais de beleza apregoados até então, embora fosse alavancado pelo seu patrono, o também pintor Tsutaya Juzaburo.

“Kashidori Fukuro”, de Utamaro Kitagawa

Outro célebre (e misterioso) artista seria Sharaku, destacado pintor de atores kabuki, dotando-lhes de um inusitado dinamismo e de muita energia e vivacidade, alimentadas por uma necessidade realista. Feições expressivas e contraídas eram aquelas que fazia questão de exprimir, ao inverso do dramatismo dos seus antecessores. Eishi havia sido rival de Utamaro, procurando a graciosidade e a leveza, em muito similar ao que Eisohsai Choki fazia. Aliás, seria a sua escola aquela que levaria avante neste fim do período Edo, no qual orbitava a pintura ukiyo-e, apesar dos retratos dos atores kabuki na região de Kamigata, onde se situa Quioto e Osaka, retratos esses mais saturados nos pigmentos e mais suaves nas cores.

No entanto, avizinhavam-se tempos diferentes. Em especial, com as novas reformas que iam ocorrendo ao nível nacional, a própria arte sentia essas metamorfoses e, nos meados do século XIX, os cenários de luxúria eram suprimidos. Para trás, ficavam os rostos das cortesãs (onde Katsushika Shuncho fez sucesso) e dos atores kabuki, sendo sucedidos pelas pinturas paisagísticas e pelas cenas de viagem. Para lá de Hiroshige, foi o seu rival, Hokusai, o grande pintor desta levada, tendo pintado as icónicas trinta e seis vistas do Monte Fuji, em diferentes lugares e com diferentes estados de tempo (e em estações do ano distintas), onde se enquadra a grande onda em Kanagawa, que ameaça algumas embarcações. Essas paisagens tornaram-se das mais notáveis de toda a arte oriental, embora não ofuscassem os trabalhos que fez sobre o quotidiano japonês, para além das ilustrações que fez para livros e dos seus milhares de esboços naturais e supernaturais (compilados na “Hokusai Manga”). Hokusai contrastava, assim, com o seu rival ao ser mais fantástico e imaginativo que realista, para além de se sentir menos atraído pela dimensão atmosférica. A arte paisagista tornou-se, assim, a mais relevante de todas, opondo-se à observação estrita ocidental e apelando à imaginação e à compreensão de toda a atmosfera. Hokusai, com o seu uso da cor dura, tensa e abstrata, com efeitos visuais cativantes, acabaria por dar lugar a outros, como Keisai Eisen e os seus okubi-e, Utagawa Kuniyoshi e, entre tantas outras, as suas representações de samurais e de animais míticos, e Kunisada e os retratos que fez de atores em diversas peças populares. Muitas dessas representações inspiraram-se em heróis literários, como os do “Suikoden” (um dos quatro grandes romances da literatura chinesa, da autoria de Shi Nai’an, que retrata um grupo de foragidos que é mandada pelo governo suprimir manifestações de rebeldes no território chinês) e os do “Chushingura” (um conjunto de obras associadas a um episódio em que um grupo de quase cinquenta ronin (samurais sem mestre) procuraram vingar a morte do seu líder.

“Goten-Yama Hill, Shinagawa on the Tokaido”, de Katsushika Hokusai

Aspetos satíricos e paisagísticos acabam, assim, por predominar na pintura, confrontando os preconceitos do período de Edo que havia terminado. Nesse percurso paisagista, despontariam os seguidores de Hiroshige, Hiroshige II e Hiroshige III, que considerava como filhos e que herdaram muitos dos seus predicados artísticos. No entanto, as mortes deste (1857) e de Hokusai (1849) seriam devastadoras para o decurso do ukiyo-e, culminando com a ocidentalização que o Japão conheceu no período Meiji, que começou em 1868 e que acolheu o jornalismo e a fotografia como novos meios de comunicação, para além de uma moralidade mais estrita e rigorosa, o que impediu, por exemplo, o desenvolvimento de pinturas eróticas. Porém, alguns artistas iam perseverando e aproveitando as novas tendências da pintura, recorrendo ao aka-e (pinturas em vermelho). É aqui que se enquadra aquele que é considerado como o último mestre do estilo, Yoshitoshi, que deambulava entre aquilo que se ia perdendo da cultura tradicional japonesa (e chinesa, com o retrato de heróis lendários, fantasmas, monstros e outros seres mitológicos à luz do luar) e as novas influências ocidentais. Era um artista mais violento e mais dado ao fantástico, que fazia perdurar a fama das xilogravuras. Quem se havia entregado a essa modernidade era Kobayashi Kiyochika, que pintou muitos edifícios e linhas de caminhos-de-ferro, para além de conflitos bélicos (as guerras do Japão com a China e com a Rússia) com o recurso a uma técnica que lhe permitia vislumbrar os raios de luz e a sua ausência, a kosen-ga. Foi uma forma que encontrou para contrastar a luz e a sombra, com influência ocidental, tanto no sentido da perspetiva, como no uso desse chiaroscuro e no interesse por destacar os volumes das figuras representadas. Marca, assim, uma transição para o Japão moderno, integrado nesse discurso mais ocidentalizado do que nunca.

“Ryōkoku Sumidagawa de no hanabi”, de Kobayashi Kiyochika

Com referências mistas entre a pintura de Yoshitoshi e de Kiyochika, estava Toyohara Chikanobu, que usou antigos discursos do ukiyo-e, como as pinturas dos cenários kabuki e das belas mulheres, já trajadas com vestuário ocidentalizado, para além de pintar a própria família imperial. Porém, o interesse dedicado pelos ocidentais, que se iam proliferando no território japonês, nomeadamente graças às relações comerciais que se iam estabelecendo com o império japonês, era manifestamente pouco. No entanto, isso mudaria quando algumas das suas pinturas passariam a ser exportadas para os Estados Unidos e quando outras tantas representaram o país na Exposição Internacional de Paris, em 1867. Desde então, as ukiyo-e conheceram uma grande divulgação naquela Europa Central, ajudando os próprios europeus a perceber como é que era o Japão antes daquele século e a ganhar uma outra impressão das xilogravuras. Era o início daquilo que passou a ser conhecido como o “japonismo”, cunhado pelo colecionador Philippe Burty, que consistia numa grande influência artística e cultural que o Japão começou a exercer na Europa e no qual o ukiyo-e era uma parte muito relevante. Tanto que fazia parte de artefactos e de outros trabalhos artísticos que foram feitos desde então. Determinante seria a divulgação que o negociador de arte franco-alemão Siegfried Bing fez na sua revista “Artistic Japan”, editada em inglês, francês e alemão, na qual se reproduziram várias pinturas deste estilo japonês. Aliás, curaria uma exposição delas na célebre École des Beaux-Arts, que captou o interesse de muitos presentes e futuros artistas. Estava, assim, no ramo de Tadamasa Hayashi, também ele negociador, que também movimentou inúmeras pinturas, tantas que chegaria a ser acusado de pilhar o património nacional do país. Nos Estados Unidos, Ernest Fenollosa escreveu um livro, de seu título “Masters of Ukiyoe” (1896), que serviu de mote para uma exposição no Museu de Belas Artes de Boston, que seguiria para Tóquio. Ainda hoje, este museu abarca mais de trinta mil pinturas ukiyo-e.

Vincent Van Gogh, por exemplo, seria um dos pintores que se fascinaram com este discurso de cor e de formas, tendo até reproduzido algumas das centenas de xilogravuras que colecionou para a tela. De igual modo, seria influenciado Claude Monet, antes, em especial na forma como retratou o seu jardim em Giverny. O impressionismo como um todo fascinou-se com a possibilidade de captar autênticos momentos fotográficos e de o fazer com composições pouco convencionais. Foi uma influência que se prolongou, assim, desde então, viajando para a pintura de Edgar Degas, de Mary Cassatt, de Paul Gauguin e de Charles W. Bartlett, mas também para música de Claude Debussy (em especial, na peça “La Mer”, de 1905) e para a poesia de Ezra Pound, em muito motivado pela imagem e pelas suas expressões. Por sua vez, no século XX, nasceu um novo conjunto de artistas que se foi enquadrando na shin-hanga, um movimento de revitalizou as nuances artísticas do ukiyo-e, mantendo, de igual modo, a colaboração entre o artista, o entalhador, o impressor e o publicador. Goyo Hashiguchi destacou-se na pintura de mulheres, interessando-se pelos velhos mestres do estilo, Utamaro, Hiroshige e Harunobu. O mesmo fez Shinsui Ito, embora fizesse as suas pinturas em aguarelas, apoderando-se de um maior modernismo; enquanto, nas paisagens e nas cenas do dia-a-dia, estava Hasui Kawase, com tonalidades mais obscuras e viajantes. Por sua vez, Hiroshi Yoshida montou o seu próprio estúdio, à imagem de Hashiguchi, e reforçava a necessidade de ter autonomia artística e de fazer uma pintura voltada de si para si (sosaku-hanga).

“Shichirigahama, Soshu”, de Hasui Kawase

Era uma nuance mais criativa e mais personalizada, onde o desenho, o entalhamento e a impressão eram feitos pelo próprio artista, deslocando-a da dinâmica comercial da produção em massa. Um dos principais proponentes desta ideia, para além de ter sido, ele mesmo, um admirador do ukiyo-e e pintor seria Kanae Yamamoto, que procurava defender a arte folclórica nacional. A instituição da Associação de Artistas de Xilogravuras do Japão ajudou a consolidar esse ímpeto individualista e mais criativo do que nunca, que também contribuiria para delinear as linhas orientadoras da arte no país daí para a frente. O ukiyo-e serviria, assim, como referência presente e futura para essa expressão individual, que sobreviveu à febre dos tempos e que se dedicou aos novos suportes da arte figurativa.

Ukiyo-e é sinónimo de história artística e cultural, mas também social do Japão. Os temas foram várias, muitos deles folclóricos, mas também autênticos retratos de figuras da sociedade do país. É sinónimo, também, de uma beleza estética primordial, com diferentes configurações e com distintas perceções. Isso variou entre um sem número de escolas e um grande número de criadores. Essa influência alcançou o Ocidente com proporções manifestas e consagradas nos movimentos artísticos vanguardistas, assim como numa diversidade de outras formas de compor arte. Assim, para lá dos nomes de Hokusai e de Hiroshige, revela-se um compêndio extenso e extensivo de um legado que capta uma parte significativa do património estético e visual de um Japão em transformação, entre aberturas e fechos a um exterior que o foi descobrindo e divulgando, imortalizando-o para toda a história.

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