A folk secreta de Jessica Pratt

por Bernardo Crastes,    7 Novembro, 2019
A folk secreta de Jessica Pratt
Jessica Pratt. Fotografia de Luís Sousa
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Assistir a um concerto de Jessica Pratt é como fazer parte de um segredo. A sua música é esculpida a partir de momentos de tumulto, cavando e cavando até restar uma folk ponderada e tranquila, que ainda assim nos consegue provocar tantas sensações como qualquer outro estilo musical mais catártico – talvez pela restrição de uma reacção mais efusiva, as coisas acabem por se tornar especialmente intensas. No Musicbox, em Lisboa, não havia muito público, o que é surpreendente, tendo em conta que Quiet Signs tem sido aplaudido como um dos melhores álbuns do ano, à semelhança do que On Your Own Love Again tinha atingido no ano ido de 2015. Assim, a experiência de estarmos a assistir a algo secreto, uma janela para um qualquer interior místico, é exacerbada.

A guitarra quase muda, os teclados sustidos e uma voz que poucas vezes se eleva a mais do que um sussurro tornaram o concerto numa experiência de deep listening, feita para se prestar atenção sem ter de a exigir por parte do ouvinte. Tão calma era a música, que o concerto acabou por ter a participação especial do ar condicionado do Musicbox, ouvindo-se sempre o seu ruminar monótono como pano de fundo das canções. Ainda assim, o aparelho não parecia estar a funcionar muito bem, o que resultou nas poucas interacções de Jessica com o público, exteriorizando aquilo que decerto passaria pela mente de todos os presentes (“bem, está calor aqui”).

O concerto balanceou muito as canções dos seus dois álbuns mais recentes, que, apesar de soarem diferentes em álbum, se viram condensadas numa entrega polida, com o eco e eterismo que caracteriza Quiet Signs a ditar o mote sonoro. Jessica franzia a cara para dar às palavras a sua entoação característica, quase ameninada, e tocava os seus poucos acordes com uma suavidade e precisão cativantes. Em “This Time Around”single e ponto alto do mais recente álbum, os dois acordes que compõem os versos eram intercalados com dois pequenos toques no corpo da guitarra, conferindo um ritmo tão delicado que quase nem se notava.

Jessica Pratt. Fotografia de Luís Sousa | Música em DX

“As the World Turns”, tocada logo a seguir ao fantasmagórico instrumental “Opening Night”, como em álbum, é outra canção cujos versos têm apenas dois acordes. No entanto, ao passo que em “This Time Around” esses serviam mais de complemento à entrega doce da voz de Jessica, aqui a sua repetição é quase como um mantra. Uma ligeira diferença na melodia dava-lhe uma aura meio progressiva e até psicadélica. O mesmo se pode dizer dos teclados que por vezes pontuavam as canções, como em “Wrong Hand”, canção sombria e concisa que lembra um Outono seco em álbum, mas que aqui soou mais suave e irreal.

Canções com mais alguma ginga e quilometragem, como “Greycedes” ou “Back, Baby”, quebram um pouco a sessão de hipnose para algo mais tangível. Para a segunda, bastante celebrada pelo público, Jessica troca o dedilhar pachorrento por algo mais rítmico. O refrão viciante, esse também sai com mais garra e até algum deleite. São bons momentos de variação, mas não seriam tão apreciados se não tivessem o fundo mais tranquilo para fazer o contraste. Por isso, logo depois ouve-se “Silent Song”, uma das canções mais tristemente pacíficas de Quiet Signs.

O público assistiu com muito respeito e serenidade a todo o concerto, demorando-se nos aplausos para demonstrar a sua apreciação. Poucos eram aqueles que gritavam ou se exaltavam mais, como se isso fosse algo que perturbasse a paz do que em palco se passava. No entanto, houve quem pedisse canções. “Moon Dude!” “Era mesmo essa que ia tocar a seguir”, retorquiu Jessica. Uma canção mais pequena que aquilo que devia ter sido fechou um concerto mais curto do que aquilo que devia ter sido.

Sabíamos que poucas surpresas nos aguardariam neste concerto, assim como nos álbuns da artista. Na sua música há um conforto encantatório que, apesar de ser previsível, é tão invulgar e aconchegante que quase queremos senti-lo para sempre. Mas isso não seria uma boa forma de viver a vida, por isso Jessica volta para um encore a solo, em que toca “Titles Under Pressure”, e, tão depressa como entrou, volta a sair. Parece mesmo que acabou de nos contar um segredo, um que vos podemos contar também.

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