A fasquia era alta e os The Go! Team andaram aos círculos com ‘Semicircle’

por João Rosa,    29 Janeiro, 2018
A fasquia era alta e os The Go! Team andaram aos círculos com ‘Semicircle’
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No já distante ano de 2004, o então projecto a solo de Ian Parton, The Go! Team, lança Thunder, Lightning, Strike – e o seu impacto rapidamente se faz sentir. Adorado pela crítica, conseguiu a proeza de fundir no mesmo som claques desportivas, indie rock lo-fi, flautas de bisel e ecletismo sampladélico digno de uns Avalanches num resultado que ainda hoje se mantém intemporal. Desde então, a obra que Parton engendrou, solitário, ganhou vida sob a forma de um caótico sexteto, pioneiro de um universo sonoro improvável pintado com explosões de confettis, instrumentação grandiosa e cheerleaders. É assim curioso que Semicircle, o quinto álbum da banda, chegue em 2018 numa curiosa repetição desse momento: após Rolling Blackouts, de 2011, o grupo dispersa-se: filhos, famílias e vidas esmoreciam o entusiasmo. Parton vê-se de novo a solo e lança The Scene Between em 2015, um regresso à interminável exploração de samples e vozes pelo mundo.

Porém, o hiato não é estável por muito tempo – The Go! Team é uma banda cuja personalidade insiste em viver em vários mundos: desde o colorido, irracional tumulto dos seus concertos ao vivo (liderados por Ninja, a carismática vocalista já sinónima com o grupo) até à cuidada engenharia dos mosaicos sonoros por parte de Ian. Semicircle nasce assim com o regresso de muitos dos membros intemporais da banda de Brighton. Viajam até Detroit, em busca de, segundo as palavras do seu líder, trazer o seu som a uma escala maior – quer vocalmente, com a participação extensa do Detroit Youth Choir, como instrumentalmente.

A proposta é nobre, e, ao entrar no mar de pigmentos em movimento que é um habitual álbum de Go! Team, não tardamos a acreditar no sucesso: Semicircle inicia-se com o melhor exemplo. Mayday abre as hostes estando em poucos segundos a desmontar-se em refrões de spoken word, código morse,  claques e coros infantis que se cruzam sem abrandar. É a descrição perfeita da dinâmica, energia e injecção de vitaminas habitual que poderíamos esperar e desejar da banda, não fosse este ser um momento particularmente único em Semicircle. Chain Link Fence, logo de seguida – apesar das esperanças depositadas pela desconstrução inicial – é o seu oposto; a montanha-russa é esquecida e melodias melosas ocupam o seu lugar num compasso pastoral. Se por um lado o som cumpre o objectivo de ser decididamente mais cheio e horizontal, as músicas perdem a vitalidade indie rock dos seus primeiros lançamentos, caindo pouco a pouco num registo formulaico que se repete ao longo do álbum. Semicircle Song, o single homónimo, não sobe particularmente a parada (nem ganha pontos com a sua secção especial algo inesperadamente dedicada a astrologia); e Hey!, apesar do título, trata-se na verdade de um precoce interlúdio quase-instrumental que vagueia com rumo incerto.

Após a pausa, o segundo terço do álbum traz-nos a territórios igualmente familiares: The Answer’s No – Now What’s the Question, Chico’s Radical Decade e Tangerine / Satsuma / Clementine mergulham-nos, bem distantes do louco ponto de partida, num oceano crescente em florais reverberações 60s – feito de melodias belas, mas esquecíveis. São estas que expõem um dos maiores problemas de Semicircle: músicas bem compostas que acabam, porém, por não oferecer uma dinâmica memorável ou elementos que as sobreponham ao resto. É o caso das finais Plans Are Like A Dream U Organize e Getting Back Up, músicas que demonstram o típico som da banda sem nunca verdadeiramente chegar a descolar ou a explorar caminhos alternativos à fórmula que marca todo o álbum.

Destacam-se pelo meio All The Way Live, que recupera alguma da quebra de energia desde o início e She’s Got Guns, momento funky em que Ninja tem licença para brilhar. If There’s One Thing You Should Know tem honras de atenção especial, demarcando-se do resto como o único momento em que a banda se predispõe a explorar um som que não é habitualmente o seu. O refrão fica na memória e encadeia-se perfeitamente no brilhante synth balear, vislumbrando-se uma espécie de universo alternativo em que Parton se liberta das claques para se dedicar ao chillwave. Liricamente, e, apesar de não serem as letras o ponto focal da banda, encontramos uma alternância temática entre o impulso festivo e um mais soturno desconforto amoroso. Não deixa de ser notável a presença de menções, presumivelmente em contexto com a história deste lançamento, à importância da reunião e do espaço para a vida se ocupar da sua imprevisibilidade; temas que conceptualmente o seu som acaba por representar na perfeição.

A realidade é que, perante o que já nos apresentaram, tanto a imprevisibilidade como a vitalidade de Go! Team já tiveram melhores momentos. A falta de dinâmicas de maior destaque acabam por tornar a audição do álbum como um todo numa experiência sem grandes momentos marcantes, ponto negativo ampliado pela notável ausência de qualquer desvio do que é a sonoridade habitual da banda. Apesar de não faltar a imaginação para as melodias utopicamente calóricas que marcaram o seu percurso, existe um motivo para que seja inevitável referir Thunder, Lightning, Strike sempre que The Go! Team são mencionados: o trabalho que alargou o horizonte da época com ideias novas e refrescantes, fita hoje, com enorme contraste, o mero abanar ligeiro do indie pop repetitivo de Semicircle. Os anos desde o seu surgimento trouxeram um sem-fim de novas ideias, sonoridades e combinações que a banda parece sucessivamente desistir de explorar – como se observa em certos detalhes de intros ou pequenas partes de interlúdios, ideias interessantes que são de seguida abandonadas em direcção ao seu som datado e familiar.

Apesar destes pontos, Semicircle está longe de ser uma má experiência – decerto que ouvidos menos experientes com a sonoridade da banda poderão encontrar novidade e interesse em grande parte das suas ideias. A fasquia, é, no entanto, elevada para o que já podemos esperar do caldo sonoro que compõe um álbum de Go! Team, e, cinco álbuns mais tarde, a banda acaba por se distanciar das razões que tornaram o seu aparecimento brilhante.

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