“A Espia” é o passo que a ficção portuguesa precisava dar

por Espalha-Factos,    8 Abril, 2020
“A Espia” é o passo que a ficção portuguesa precisava dar
“A Espia” / Foto: RTP1
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A Espia é a nova série da RTP1 e o Espalha-Factos já assistiu aos primeiros dois episódios. A história de espionagem em Portugal na década de 40 é um dos melhores produtos realizados no nosso país nos últimos anos.

Alianças precárias, fidelidades incertas. O mundo vive mergulhado no medo, na dúvida e na falta de esperança. Sobreviveu-se à Primeira Guerra Mundial, vive-se a Segunda, mas a Terceira permanece, adormecida, na sombra do inconsciente. Os portugueses – neutros – temem o futuro. E aqueles que não o temem, tentam controlá-lo e moldá-lo à sua vontade.

“A Espia” / Foto: RTP1

Durante a Segunda Guerra Mundial, operaram em Portugal várias redes de espionagem. Algumas eram controladas pelos ingleses, outras pelos alemães. No entanto, a certeza era só uma. Portugal podia ser um país neutro, mas nas sombras da noite, o conflito vibrava descontrolado à espera de uma razão para se assumir. A Espia é o retrato de uma rede de espionagem, a rede Shell, liderada por britânicos que operaram em Portugal entre 1941 e 1942, cujo principal objetivo era destruir infraestruturas e a contraespionagem, caso o país sofresse uma invasão pelos alemães.

A par disso, A Espia acompanha ainda os meandros das campanhas da época, assim como as negociações de volfrâmio, o mineral mais poderoso durante a guerra. Maria João (Daniela Ruah) e Rose (Maria João Bastos) são as peças de xadrez cujas jogadas – acontecidas no seio da elite – movem todos os peões do tabuleiro. Porém, o amor é cego às alianças e Maria João rapidamente percebe que viver uma vida dupla a poderá impedir de se entregar a Siegfried Brenner (Diogo Morgado).

“A Espia” / Foto: RTP1

A consultoria histórica ficou a cargo de Margarida de Magalhães Ramalho, sendo que se pode esperar da nova produção da RTP1 uma análise factual dos tempos do ditador. Porém, a grandeza de A Espia vai muito além dos detalhes historiográficos. Realizada por Jorge Paixão da Costa, responsável por Soldado Milhões, a produção histórica da RTP1 é o passo que a ficção nacional portuguesa tinha de dar. Arrojada, original e, acima de tudo, diferente, a história de espionagem contrasta com tudo o que temos visto na nossa televisão nos últimos tempos.

A Espia é o auge do bom trabalho em televisão

Encabeçada por um elenco com impacto internacional (Diogo Morgado, Daniela Ruah, mas também Maria João Bastos), a série apresenta-nos personagens densas e mergulhadas em conflitos que vão além das alianças a que se prometem logo no primeiro episódio, deixando espaço para um desenvolvimento cativante e inesperado.

É uma realidade que A Espia parece condenada a não conseguir grande sucesso, afinal não pisca o olho ao público de forma comercial, nem será transmitida num canal líder de audiências, mas também é uma realidade que tem todos os ingredientes para o ser, caso reúna a sorte que precisa para tal. Numa altura em que a aposta em histórias recicladas abundam na televisão nacional, A Espia é uma lufada de ar fresco e a prova de que ainda existem muitos caminhos a percorrer sem ser o ‘mais do mesmo’.

“A Espia” / Foto: RTP1

Vale recordar ainda que Auga Seca, outra das séries da RTP1 que vale a pena acompanhar, chegou recentemente à plataforma de streaming da HBO Portugal e creio que não seria de espantar se o mesmo acontecesse com A Espia. Apesar de se arriscar a passar despercebida perante o público em geral, o potencial de exportação e sucesso internacional é grandioso, pois poucas são as séries que revivem tempos históricos portugueses e ainda menos são aquelas que o fazem bem.

Contudo, não é só a narrativa da série que merece elogios. A realização é um dos pontos fortes e um dos maiores atributos da produção da Ukbar Filmes. Apesar de não ser uma surpresa que as produções do canal público sejam abençoadas de uma realização normalmente superior àquela que vemos nos canais privados, A Espia é o auge do bom trabalho em televisão. É cinema em televisão. A cinematografia é a ferramenta necessária para ditar o tom da história e a RTP1 está de parabéns por dar o passo em frente que a ficção portuguesa precisava de dar. A Espia, para além de ser uma excelente série, é um avanço técnico para o futuro. E, só por isso, já merece um aplauso.

O resto do elenco conta com nomes como Marco de Almeida (cuja ligação com a personagem de Maria João Bastos relembra Equador, da TVI), António CapeloPedro LamaresSisley DiasLuís EusébioPatrícia TavaresAdriano Carvalho, entre outros.

A série estreou esta quarta-feira. Vais poder acompanhá-la todas as semanas, às 21h30, na RTP1 ou na RTP Play.

Artigo escrito por Miguel Santos e originalmente publicado em Espalha Factos.

Artigo editado às 13h de dia 9 de Abril. Por lapso foi colocada nota numérica na crítica. 

 

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