A escola de Frankfurt e a Teoria Crítica

por Lucas Brandão,    10 Julho, 2018
A escola de Frankfurt e a Teoria Crítica
Na foto, Theodor Adorno e Max Horkheimer.
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Herbert Marcuse. Walter Benjamin. Max Horkheimer. Erich Fromm. Theodor Adorno. Jurgen Habermas. Seis nomes, seis mentes privilegiadas e marcantes na filosofia e na ciência política do século XX. Entre outros mais, os principais rostos da Escola de Frankfurt, uma escola de pensamento com base nesta cidade alemã e no Instituto de Pesquisa Social da sua Universidade. Todos estes herdaram o percurso ideológico e metodológico de Karl Marx, desdobrando-se nas suas especificidades e áreas de investigação. No entanto, convergiram na formulação de uma teoria, a clamada Teoria Crítica, que desejava transpor a sua teoria contracorrente ao que se escrevia no meio académico então, na primeira metade do século XX, para as pessoas e para aquelas a quem cabia viver e produzir vida.

Os fundamentos e as introduções da Escola de Frankfurt

A proposta sociológica contextualizada na Escola de Frankfurt nasceu, conforme mencionado, no Instituto para a Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, no país em que Hegel, Weber, Engels e Marx já tinham dado cartas. Esta proposta surge, precisamente, na discussão de vários cientistas sociais cunhados com o marxismo, embora já desviados das diretrizes dessa teoria. Esta dissensão dá-se perante a ortodoxia dos partidos comunistas vigentes naqueles meados do século XX, mesmo após a Segunda Guerra Mundial. Cansados de um discurso pensativo bastante orientado para uma aplicação política, que nem sempre se verificava verosímil e correta, voltaram-se para as raízes desse mesmo marxismo, onde não encontraram respostas para a emergência do capitalismo. De igual forma, eram críticos do socialismo soviético, procurando outras propostas psicológicas e sociológicas para a explicação do binómio capitalismo-socialismo, que revelava o que de nocivo existia naquela sociedade bipartida. Assim, estudam a psicanálise, o existencialismo e o antipositivismo (identificação da oposição entre as ciências naturais e as sociais) para perceber aquele contexto de mudanças e de abordagens sociais.

A sua preocupação voltava-se, assim, para entender as condições que conduziam às alterações sociais, que conduziam à formação de instituições racionais. O seu entendimento assentou na perspetiva crítica kantiana (análise sistemática sobre as condições e as consequências de um dado conceito) e no idealismo alemão (na dialética tese-antítese, geradora das sínteses, que tanto inspirou a teoria marxista) como premissas de análise dessa realidade. Este estudo foi possibilitado, em muito, pelo contributo subseqnete de Jurgen Habermas, naquilo que este entendia como ação comunicativa (“The Theory of Communicative Action”, lançada em 1981). Esta era uma interpretação efetuada da racionalidade como sistema operante da sociedade, em que as utilizações linguísticas dos indivíduos levava a que as transformações objetivas, subjetivas e sociais do mundo se efetivassem.  A proposta consagraria, de igual forma, estes usos linguísticos como capazes de produzir uma sociedade crítica, racional e razoável, orientando a ação para o encontro de consensos sociais inclusivos, benéficos para todos.

A utilização da comunicação desta maneira permitiu um deslocamento das estruturas simbólicas daquilo que são as formas de vida, materializadas nas práticas sociais, na formação da personalidade individual e nos  diferentes padrões culturais.  A ação comunicativa possuía, assim, a seus olhos, um papel determinante na própria resolução de aspetos morais, ao fazer os agentes comunicativos envolverem-se e evoluirem no decurso da discussão, sem que os princípios democráticos básicos fossem postos em causa. A evolução da linguagem é, assim, dotada de um papel que acompanha os diversos planos de atuação, tendo em conta a objetividade e a subjetividade do ser humano, sem esquecer a sociedade que as molda. Assim, os padrões de pretensão, para cada plano, são, para o mundo objetivo, a verdade, a autenticidade para o mundo subjetivo e a validade das normas no mundo social, com o todo a ser interligado pela inteligibilidade comunicativa, na dimensão intersubjetiva da linguagem. No entanto, esta é só uma das propostas proeminentes da Escola de Frankfurt, por um dos seus autores, associando-se outras tantas aos desta proveniência.

https://www.youtube.com/watch?v=gRkrTYdJteU

Herbert Marcuse

Herbert Marcuse é o único destes que desenvolveu trabalho em instâncias governamentais, neste caso no Office of Strategic Services dos Estados Unidos, antecessor da CIA. Nascido a 1898 e partindo em 1979, recebeu o seu doutoramento em Friburgo, passando a trabalhar em Frankfurt pouco tempo depois. O capitalismo, a tecnologia, a cultura de entretenimento e o materialismo histórico seriam os seus objetos de estudo, sem esquecer o comunismo soviético, que tanto criticou. A obra de referência da crítica efetuada surge em 1958, com “Soviet Marxism: A Critical Analysis”, em que associa o atributo de alta burocracia e o epíteto de “Nova Racionalidade” aos mecanismos de controlo do estado soviético, para além de acusá-los de adulterar o conceito de materialismo histórico. Aos olhos de Marcuse, é feita uma adaptação para o materialismo dialético, em vez de estarem os dois unidos numa só aplicação, o que descontextualiza o percurso soviético da bagagem histórica. De igual forma, defende, em “Reason and Revolution: Hegel and the Rise of Social Theory” (1941), que os métodos hegelianos de interpretação e atuação na realidade são deturpados pelos nazis, na teoria e na prática.

Duas das suas principais obras foram escritas entre os meados dos anos 50 do século XX e os meados dos anos 60. A primeira é “Eros and Civilization: A Philosophical Inquiry into Freud” (1955), que procura sintetizar as teorias marxistas e freudianas, de forma a explorar o potencial da memória coletiva para os efeitos da desobediência civil e de uma revolta que possibilite um futuro alternativo. É uma obra que, mesmo recebendo críticas menos positivas, tenta propor uma visão otimista dos proveitos que a sociedade industrial moderna concedeu, para os efeitos de uma luta do Eros. Isto é, uma luta que procurasse evitar a repressão dos instintos que o capitalismo vai efetuando. Marcuse refuta Freud na medida em que considera o Eros liberador e construtivo e a repressão necessária, através do superego (aponta-se para a obra “Civilization and Its Discontents”). O progresso civilizacional é olhado pelo alemão como um caminho através do qual a felicidade humana é hipotecada, procurando reconciliar o Eros com os trabalhadores alienados nos seus processos. A sociedade socialista pode-se tornar acessível sem a necessidade de uma supressão dos impulsos sexuais, que não se torna necessária quando tanto é exigido dos trabalhadores, do ponto de vista do cumprimento de objetivos automatizados.

A outra obra que o notabiliza é “One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Society”, datada de 1964. Aqui, a crítica desdobra-se sobre o capitalismo atual e a sociedade comunista soviética, abordando as formas de repressão social e o potencial refreado de uma revolução concertada a Ocidente. A sociedade industrial avançada criou falsas necessidades, que aglomeraram os seres humanos no sistema de produção e de consumo, através da publicidade, dos meios de comunicação massificados e da gestão industrial e dos padrões de pensamento existentes. A estabilização capitalista da classe operária efetua-se com a diminuição dos marginais, daqueles que ficam fora desta integração no percurso socioeconómico, respondendo a estes com radicalismo. A liberdade é, assim, ditada por uma perceção, instituída formal ou informalmente pelo controlo social que é aplicado, tanto pela produção, como pelo consumismo, que gera efeitos nocivos perante a degradação ambiental e social, em que os vínculos são, cada vez mais, estabelecidos com os bens materiais. A necessidade de comprar cada vez mais é necessária para a operacionalização do sistema vigente, perdendo-se a identidade humana nesta uniformização de ações, todas elas dedicadas à compra-venda. O comportamento e o pensamento torna-se unidimensional, sem capacidade crítica, para o qual a resposta é a “grande recusa”, obrigando à interpretação crítica da publicidade e a um estilo de vida que evite trabalho, aquisições e poluição desnecessários, contribuindo para a sustentabilidade humana e planetária.

A lembrança do passado pode dar origem a introspeções perigosas, e a sociedade estabelecida parece apreensiva em relação aos conteúdos subversivos da memória.

“One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Society” (1964)

Walter Benjamin

Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, suicidando-se na Catalunha, em 1940. A sua inspiração conheceu a literatura francesa, como Baudelaire ou Proust, assim como a dramaturgia de Brecht, para além do misticismo judaico de Gershom Scholem. Este movimento seria uma influência numa forma de pensar diferenciada, que unia, também, o idealismo alemão e o materialismo dialético. Em 1935, lançou “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”, onde aborda a desvalorização da arte pela sua reprodução mecânica, tornando-se relevante num estudo contemporâneo da história da arte e dos estudos culturais. Com esta obra, procurou construir uma ferramenta de pensamento revolucionário na política cultural numa idade de produção massificada. A perda da sua dimensão ritualística contribuiu para que a produção artística se tornasse dependente da práxis política, pelo que a realização de uma obra de arte se tornava num processo que, a ser independente desta abrangência, necessitava de potenciar as inovações que o século XX trazia.

A tónica volta a reforçar as condições socioeconómicas precárias para a classe trabalhadora, que contribuem, com a sua força de produção, para a mecanização dos trabalhos artísticos. Benjamin apresenta uma visão histórica daquilo que foi o desenvolvimento desta reprodução mecânica, acabando a afirmar que a precisão de uma reprodução aumenta com a produção em massa. Porém, o conceito de autenticidade emerge fora da componente técnica do trabalho, mas sim no seu contexto de origem, naquilo que entende como a “aura” da obra. A sua vertente social altera-se consoante os valores da sociedade em que se enquadra se transformam, com a obra de arte a conhecer um recinto que não é, somente, determinado pela Natureza, mas muito pelas circunstâncias históricas nas quais se enquadra. O binómio arte-reprodução é entendido, pelo filósofo, como uma ligação a ser rompida, não só pela tradição a que se vincula a obra, mas também pela ritualização a que se torna sujeita, nomeadamente na própria exibição em contextos sociais, enquadrados na esfera pública.

Outra das obras predominantes no pecúlio do alemão é “Theses on the Philosophy of History” (1940), redigida nas vésperas da sua morte, em plena formação do Governo de Vichy, colaboracionista com a Alemanha Nazi, que havia anexado a França pouco tempo antes. Este é um ensaio curto, no qual traça analogias de cariz histórico e científico para tecer uma crítica ao historicismo marxista. Perante o materialismo histórico, idealiza-o como uma espécie de fraude religiosa, que surge como um conceito capaz de abalar e de derrubar as propostas idealizadas e apresentadas para a sociedade. A rejeição do passado como uma continuidade do progresso é enquadrada, por Benjamin, como uma premissa fundamental para a crítica que faz, por muito que se apresente como uma espécie de previdente de um futuro revolucionário. A história deve manter-se por si mesma e não como uma imagem eternizada do passado, mas como uma construção que alcança o seu auge no presente.

Uma das principais tarefas da arte sempre foi criar um interesse que ainda não conseguiu satisfazer totalmente.

“The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction” (1935)

Max Horkheimer

Por sua vez, Max Horkheimer nasceu em 1895, vivendo até 1973. Neste período, fez parte da fundação do Instituto para a Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, chegando a ser o seu diretor. Como grande inspiração filosófica, teve a figura de Arthur Schopenhauer, de quem tinha um retrato, mas que não o impediu de ser crítico e revolucionário na emergência de um nazismo que o poderia encaminhar para a apatia. As obras de referência deste pensador seriam “Traditional and Critical Theory” (1937) e “Eclipse of Reason” (1947), já de análise ao impacto do nazismo na sociedade.

Como razão, define a racionalidade que só pode ser cultivada num ambiente de pensamento crítico e livre, sendo neste contexto que apresenta a razão objetiva, a subjetiva e a instrumental, posicionando a sociedade do seu tempo nesta última. A objetiva prende-se com as verdadeiras universais, de cariz moral, voltada para os fins das ações, inspirando-se no conceito grego de logos; já a subjetiva traz um conceito abstrato de razão, analisando os seus meios, que encaminham os fins, sem que a natureza da ação interesse (o conformismo perante uma ideologia bebe muito deste tipo). O conceito-chave chega com a apresentação da razão instrumental, em que o critério que credita a ação de ser racional é o seu propósito ou valor operacional. Os ideais de uma sociedade são dependentes daquilo que é a necessidade de controlar a Natureza e os seres humanos, com o conhecimento a tornar-se num instrumento de exploração e de imposição do poder.

Erich Fromm

Erich Fromm possui um cunho distinto dos seus análogos pensadores, tratando-se de um psicanalista e psicólogo, que nasceu em 1900 e que viveu até aos 80 anos, tendo-se naturalizado norte-americano pouco após a Segunda Guerra Mundial. As suas obras assumiram, assim, um toque mais voltado para o estudo do indivíduo e da personalidade, encaixando, neste lastro, “Escape from Freedom” (1941). O objeto de escrutínio é o grupo de condições psicossociais que permitiram a emergência do nazismo, para além do próprio conceito de liberdade. Este é dividido em dois, surgindo a liberdade negativa (a liberdade de, proposta no existencialismo de Sartre), advinda de convenções sociais impostas por outrem, e a positiva (a liberdade para), usada espontaneamente, com todo o potencial criativo existente no indivíduo, mesmo obrigando a uma ligação com os outros para lá das ligações estabelecidas superficialmente. Para que haja a libertação em relação aos órgãos de autoridade, é necessária a liberdade positiva, muito à imagem da necessidade sentida pela criança no seu desenvolvimento. Aplicando ao caso social, Fromm propõe um processo dialético, em que a conjuntura é a tese, a emancipação a antítese e a síntese chega na substituição da ordem existente, criando uma nova forma de funcionamento do sistema, capaz de quebrar o círculo vicioso da liberdade negativa ao qual a sociedade está subjugada.

A liberdade é analisada diacronicamente, embora com um papel acrescido no século XX. Fromm remonta ao desenvolvimento da teologia protestante, em que o colapso da velha ordem moral permitiu abrir os horizontes a que os indivíduos se tornassem autónomos e capazes de gerir o seu futuro, para lá de um mero papel socioeconómico. Mesmo com Deus a exercer um papel de autoridade moral, cada crente poderia descobrir a sua fé e o seu caminho divino enquanto se comprometia a uma vida simples e trabalhosa. No entanto, com o passar do tempo, o alemão verificou que muitos tentaram minimizar a sua liberdade positiva, na forma de crenças, pensamentos e comportamentos, em troca de garantir a sua segurança. Casos práticos disso mesmo verificam-se nas personalidades autoritárias, em que desejam manter o controlo sobre os demais para impor alguma ordem no mundo, mesmo submetendo-se ao controlo de um ente superior metafísico; nas sadistas, que desejam controlar e que, na impossibilidade de o fazer, desejam destruir aquilo que não conseguem deter; e nas conformadas, em que incorporam as crenças padronizadas e os mecanismos sociais existentes, de forma a evitar um pensamento diferenciado, que lhes gere ansiedade.

À luz do século XX, a emergência da ideologia nazi é criada a partir das condições psicológicas germânicas no pós-Primeira Guerra Mundial, num desejo insaciável que reestabelecer uma ordem que conseguisse devolver o orgulho nacional. A interpretação de Fromm da obra “Mein Kampf”, escrita por Adolf Hitler, leva-o a interpretá-lo como um autoritário que desejava governar a Alemanha em nome de uma autoridade superior (a raça ariana), num cenário em que a classe média, insegura e refugiada na liberdade negativa, procurava alguma dignidade e clareza. Perante os cenários democráticos modernos, a liberdade concedida pela democracia e pela nação industrializada nunca é potenciada enquanto a liberdade interna não for equivalente. Mesmo na ausência de uma doutrina autoritarista, a publicidade e as vozes de autoridade de alguma área do saber acabam por condicionar a potencial liberdade do indivíduo, sem cultivar a espontaneidade que orienta a expressão própria de cada um. A possibilidade de estar em contacto direto e íntimo com a humanidade abre a possibilidade de evitar o caos social, sintonizando com as necessidades reais daqueles com quem se partilha o mundo.

O indivíduo amedrontado procura alguém ou algo para se ligar; ele não pode suportar ser o seu próprio eu por mais tempo, e ele tenta freneticamente livrar-se dele e sentir a segurança novamente pela eliminação desse fardo: o eu.

“Escape from Freedom” (1941)

Quanto ao conceito de comportamento social, Fromm apresenta a formação de uma estrutura de caráter partilhado, que se compõe através do modo de vida e dos meios através dos quais esse comportamento se adapta. Essa adaptação também se reflete num modo de domínio produtivo na sociedade, que se cruza, assim, com a teoria marxista de como o modo de produção define a ideologia, para além do conceito freudiano de caráter. O caráter social descreve as atitudes emocionais dos indivíduos que constituem uma classe social ou uma sociedade como um todo, que se adquire num contexto social ou na própria educação. Este conceito pode ser usado como um recurso produtivo para a sociedade, tendo em conta tratar-se de uma motivação para as pessoas conseguirem concretizar as tarefas sociais que são esperadas de si, ao nível da educação, da interação, mas também do trabalho e do consumo.

As necessidades sociais, por sua vez, devem ser supridas para que uma sociedade funcione adequadamente, tendo em conta uma estrutura de caráter que consiga definir e efetuar aquilo que é necessário. É assim que este conceito funciona numa sociedade autoritária, em que as hierarquias são seguidas pelas instruções concedidas pelas instituições de poder. Nas sociedades mais pobres, os indivíduos reúnem-se para poupar e para trabalhar de forma independente, aquilo que é o oposto de uma sociedade consumista e permissiva, em que o consumo se dá de forma descontraída e extensiva. Assim, esta estrutura de caráter é formada por aquilo que as orienta para as formas de produção, partilhando, desde logo, alguns traços comportamentais e reações psicológicas, o que põe em causa, de forma indelével, a espontaneidade e a liberdade (positiva) daqueles que manuseiam os meios de produção.

A orientação do caráter é uma noção que se encaixa nesta visão, que transmite o que relaciona as pessoas com o mundo, na aquisição e uso de elementos (assimilação) e nas relações consigo e com os outros (socialização), de forma (não-)produtiva. Assim, existem várias tipificações propostas, que são influenciadas pelos preceitos freudianos, podendo ser ou não inconscientes, mas fazendo parte da formação e da consolidação do caráter individual de cada indivíduo. Assim, na não-produtiva, surge a orientação recetiva, em que a satisfação advém de fatores extrínsecos e em que as necessidades são satisfeitas de forma passiva, esperando que o que lhes resolve essas mesmas lhes chegue às mãos, numa ausência de criatividade e de atividade. Segue-se a abusiva, em que os indivíduos tomam aquilo que desejam de forma agressiva; a de reserva, em que preservam o que têm, incluindo elementos materiais ou imateriais; e a de marketing, em que as pessoas se veem como bens transacionáveis, valorizando-se consoante os critérios (vazios) que consideram para a sua “venda”. No que toca à orientação produtiva, o indivíduo não evita a liberdade que tem e a responsabilidade que assume, sem se desvincular da sua natureza social e biológica, dando primazia à sua vontade consciente do que às regras, que podem ser inverosímeis.

Pouco antes da sua morte, lançou “To Have or to Be?” (1976), onde aborda a sociedade moderna materialista, que prefere ter a ser. A promessa de uma felicidade infindável e de uma liberdade desmesurada sustentada na abundância material foi defrauda com uma produção ilimitada e um consumo proporcional. Os resultados desta era industrial são o egoísmo e a ganância, em que os proveitos económicos passaram a sê-lo para o benefício do sistema e não para o da sua mão-de-obra. O “ser natureza” tornou-se totalmente descurado em relação ao “ter natureza”, assistindo-se à perda das identidades individuais de cada um, obcecado pelas suas posses, mesmo perante o cenário da sua morte, na qual a importância deste património se esvai, onde o “ter” não significa nada.

Theodor Adorno

Este sociólogo, que também foi compositor, nasceu em 1903, vivendo até 1969. A sua Teoria Crítica cruzou-se com a de Max Horkheimer, a ser apresentado de seguida, que ambos expuseram na obra “Dialectic of Enlightenment” (1947). A ambivalência quanto às origens primárias do domínio social ilustra o pessimismo que sentem em relação às verdadeiras perspetivas da emancipação e subsequente liberdade humana. Tendo em conta o contexto desta obra, nota-se que a emergência do Nacional Socialismo, assim como da cultura massificada e do capitalismo, trazem novos desafios para aquilo que é a ideologia marxista tradicional.  Por sua vez, a intervenção estatal na economia eliminou a tensão das relações de produção e das forças produtivas materiais da sociedade, que se iam contrapondo às dinâmicas capitalistas. A propriedade privada e a entidade entendida como  mercado” tinham sido substituídas pela planificação centralizada da produção, resultante da concentração dos meios de produção na figura do Estado.

Desta forma, o domínio social surge como um desafio para a dupla de autores, perante a sua permanência para lá do fim das contradições existentes nas dinâmicas económicas da sociedade. No auge de um “iluminismo” da razão, a história tinha desembocado no seu colapso, naquilo que era o estado fascista. A consciência havia renunciado perante a vontade de poder, invocada por Nietzsche na sua “Genealogia da Moral”, com o totemismo estudado por Freud em “Totem and Taboo” a erguer-se na figura do culto da personalidade, do führer alemão. Este tornava-se num vulto patriarcal, que justificava a prática do assassínio em caso da lei assim o permitir. Os mitos e os rituais associados às sociedades primitivas procuram, também, fundamentar o percurso que alcança, para além das condutas sociais num estado fascista, aquilo que se segue, na massificação dos produtos e do consumo de cultura, que permite a manipulação da sociedade contemporânea. Os meios de comunicação servem os efeitos desejados por esses meios de poder tiranos e fascistas.

Adorno dedicou-se, assim, ao estudo das dinâmicas da indústria cultural, cuja produção em massa escrutinou com maior detalhe, à luz destas análises socioeconómicas. O seu percurso literário prossegue em 1951, com “Minima Moralia: Reflections from Damaged Life”, numa resposta à “Magna Moralia” de Aristóteles, uma obra sobre a ética. Aqui, o alemão debruça-se sobre a possibilidade de se ter uma vida positiva e íntegra, que quase impossibilita por se viver numa sociedade desumana, perante as tendências gerais da sociedade industrial. Os valores de família perderam-se, assim como o significado intrínseco dos brinquedos, das conversas interpessoais, e assiste-se à emergência do ocultismo. Estas pequenas alterações conduzem à construção de uma sociedade perto da catástrofe, que procura amenizar com o conceito da redenção cristã, num lastro de uma negatividade consumista. É esta a única via através da qual este determinismo socioeconómico, composto por uma série de “histórias virtuais” pode ser desvirtuado.

Outra das obras que se notabiliza é “Negative Dialectics” (1966), em que o processo dialético de Hegel é subvertido e transformado em sínteses (das teses e antíteses) profundamente negativas, que não deixam de ser deterministas. O objetivo da obra procura superar os limites lógicos pré-existentes através do conhecimento que surge de novo, aplicando o processo dialético ao próprio pensamento e ligando a epistemologia da filosofia à realidade. Adorno tenta construir um “anti-sistema” de separação da filosofia pura e do percurso da construção científica, naquilo que é o seguimento da história natural, à margem do proposto pelo existencialista Soren Kierkegaard e por Edmund Husserl.

Postumamente, foi lançado “Aesthetic Theory” (1970), em que é traçada a evolução histórica da arte, desde o seu estado de semi-autonomia até à modernidade capitalista, com um olhar atento sobre as condições sociopolíticas que a condicionaram.  As relações da arte com a sociedade são estudadas, sentindo a arte moderna com uma liberdade que acarreta a responsabilidade de se tornar socialmente crítica. A dialética entre a posição da obra e a tradição social leva a que se descodifique aquilo que é o seu significado intrínseco, aquilo que é a sua autoconsciência, privilegiando o conteúdo e a contemplação em relação à forma e à imersão.

Jurgen Habermas

Jürgen Habermas é o único dos cinco nomes que chegou (e chega) ao século XXI, fazendo parte de um grupo de sociólogos que explorou a comunicação em democracia. Foi ele o proponente da teoria da ação comunicativa, apresentada acima, no enquadramento de uma política deliberativa e pública. A esfera pública na qual atua, apresentada na obra “The Structural Transformation of the Public Sphere” (1962), não é mais do que o espaço social onde é representada a sociedade, na qual ocorre a discussão pública e, como tal, a influência das decisões do sistema político vigente. Ao escrutinar os atores e as ações dos protagonistas da vida política de uma realidade, a esfera pública efetua uma forma de cerco em redor do poder político, no qual se enquadra, precisamente, a política mediática. As problemáticas levantadas na esfera pública são as que apoquentam os indivíduos e as suas comunidades, para além daquilo que as interliga, que é a vida quotidiana. Para além da esfera pública, existe também a privada, na qual estão as relações íntimas e interpessoais, que estão à margem daquela que protagoniza os horários nobres, com discussões e comentários sobre as suas incidências.

Habermas foi, também, o pupilo de Theodor Adorno, criticando o positivismo lógico, para além de coordenar com Marcuse naquilo que é o estudo da emancipação do indivíduo, essencialmente por via dos seus interesses cognitivos, na manutenção de um quadro moral bem presente e consciente. Para além destes objetos de estudos, o seu percurso é traçado pela discussão da teoria social (paradigmas de estudo e interpretação dos fenómenos sociais), da epistemologia (origens e fontes de conhecimento), do capitalismo tardio (pós-Segunda Guerra Mundial), e da política contemporânea. Em conjunto com estes, articula a ação comunicativa naquilo que é o Estado de direito numa contínua evolução social, em que a racionalização quotidiana gera um entendimento acrescido fora dos contextos de regulação dos comportamentos humanos, como as instâncias judiciais.

Subjacente a tudo isto, está a idealização de uma democracia deliberativa, constituída por um conjunto de normativas que implicam a participação civil naquilo que é a regulação da vida social. A teoria proposta por Habermas assenta num modelo two-track, em que o poder comunicativo advém do público a partir das eleições, de debates e de referendos, sendo um emissor comunicacional nas esferas públicas. Esse conteúdo emitido deve ser transformado para uma linguagem sistémica, que ajuda a formatar aquilo que o Estado legisla e executa. Este é um modelo de emancipação e de comportamento institucional e pessoal perante os interesses racionais daqueles que, legitimamente, constituem uma sociedade.

Por fim, a Teoria Crítica

Após passar pelo pensamento mais ou menos individualizado dos cinco filósofos da Escola de Frankfurt, surge a Teoria Crítica, aquilo que faz este grupo convergir na discussão da sociedade e da cultural através de um olhar sustentado nas ciências sociais e nas humanidades. Para Horkheimer, a Teoria surge como um “emancipador dos seres humanos, em relação às circunstâncias que os escravizam”, tendo começado a ser idealizada nos anos 30, influenciados pelos préstimos de Marx e de Freud, mas também pelos do húngaro Lukács e do italiano Gramsci. Fazendo a ponte entre o idealismo alemão e o pragmatismo americano, a Teoria Crítica procura analisar a base e superestrutura sociais propostas na ideologia marxista, desmontando-se numa observação crítica de uma sociedade em metamorfose. Mesmo sendo normativa e valorativa, esta visão preocupa-se com a mudança, com uma atitude ativa em relação ao seu objeto de estudo.

A Teoria Crítica direciona-se a toda à sociedade, nas suas especificidades históricas, procurando a evolução do entendimento da sociedade numa visão interdisciplinar entre as diversas ciências sociais, nas quais se incluem a geografia, a economia, a sociologia, a história, a ciência política, a antropologia e a psicologia. O adjetivo “crítica” deriva da filosofia kantiana e do conceito marxista descrito n’”O Capital”, onde aborda a crítica da economia política. Ao olhar de Kant, traz o examinar e o estabelecer dos limites da validade de um dado elemento, numa crítica direcionada aos dogmas teológicos e metafísicos, assim como à superstição e às entidades de autoridade subsequentes. Essa autoridade sempre se tornou num elo que ligou a discussão crítica do pensamento e da sociedade, orientando as forças e as relações de produção, a serem problematizadas no seu entendimento de dominação.

Nos últimos préstimos da Teoria Crítica, que tanto influenciou os pós-estruturalistas e pós-modernistas, como Michel Foucault, Gilles Deleuze ou Jacques Derrida, Jurgen Habermas, em “Knowledge and Human Interests” (1968), discute o conhecimento crítico. Este baseia-se em princípios de autorreflexão e de emancipação, acompanhando a necessidade de reconduzir a análise das ligações entre o conhecimento e os interesses humanos. Com a ciência a deter um cariz bastante ideológico e, como tal, uma relação de poder esclarecida, o alemão identifica a emergência da história e da hermenêutica, com a qual interpreta o mundo, e da qual a psicanálise é exemplo. Habermas assinala que o objetivo desta prática é o de tentar dissolver o nexo causal do mundo natural, ao invés de explicar o comportamento humano pelas suas causas naturais.

A Escola de Frankfurt transporta, como legado para as gerações subsequentes de pensadores e de ativistas sociais, uma perspetiva crítica e apetrechada das ideais marxistas, sem esquecer demais influências que acompanharam a evolução dos tempos. As insurreições do maio de 1968 inspiraram-se nas ideias de Theodor Adorno, assim como a formação da “New Left”, também esta protagonista desses protestos, nas teorias preconizadas por Max Horkheimer e Herbert Marcuse. O lastro que alcança a atualidade pronuncia a pujança de saberes e de pensares que marcou quase todas as ciências sociais, não só na sua abordagem crescentemente crítica, mas na sua integração e simbiose de atuação e de investigação. Estes seis nomes, protagonistas da filosofia e da sociologia no século XX, herdaram a ideologia de Marx e os contenciosos contextos de Hitler e Estaline, formulando e consagrando uma crítica salutar a um ser humano destinado a pensar, a criticar e, em sociedade, a lutar.

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