A ‘Avenida Q’ foi ao Porto para ensinar a desgraça a rir-se dela própria

por Comunidade Cultura e Arte,    13 Janeiro, 2018
A ‘Avenida Q’ foi ao Porto para ensinar a desgraça a rir-se dela própria
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Imaginem a fachada de um prédio, com meias penduradas num estendal, azulejos arrancados das paredes e tinta a descascar. Imaginem, que aparecem à janela os nossos amigos da Rua Sésamo. Espera, parecem eles, mas afinal são só fantoches que nos remetem a essa memória de infância. Agora podem parar de imaginar, e descobrir do que se trata afinal, porque podem assistir a esta comédia musical no Teatro Sá da Bandeira, no Porto até dia 23 de Fevereiro.

Inspirada no espetáculo criado por Jeff Whitty, em 2003, a “Avenida Q” esteve na Broadway e ganhou um Tony, que distingue os melhores do teatro na América. Em Portugal é encenado por Rui Melo. Começamos com a apresentação das personagens. Mas esta apresentação não é uma apresentação qualquer. Todos querem cantar a sua desgraça, e desafiam-se para descobrir, quem de entre todos, está mais na merda. Merda, aliás é uma palavra que será usada muitas vezes para as personagens descreverem a sua situação de insatisfação perante a vida. Temos um casal, Tozé, que está desempregado e pensa que a namorada é árabe, a Maria que é psicóloga e tenta explicar ao namorado e à comunidade que não é árabe mas sim muçulmana, condição que espanta os pacientes e provoca a desconfiança dos vizinhos; o pequeno Saul, porteiro do prédio e que vive angustiado, porque foi roubado pelos pais e não tem dinheiro nem mulheres; a Paula porca, que como o nome indica é uma porca, sabe que pode ter os homens que quiser e aproveita-se disso; o Trekkie um viciado em pornografia com tendências para o tarado; o Félix um gay que se recusa a sair do armário; a Marta monstra que nunca encontrou o amor, mas quando encontra percebe que às vezes conseguir aquilo que achamos que desejamos não é suficiente, é preciso procurar o sonho; e o Luís um recém-licenciado, sem emprego e à procura da sua missão na vida ou do seu sonho.

Acompanhados por uma banda ao vivo, estas personagens correm, dançam, cantam enquanto de uma forma leve e divertida falam de problemas que todos conhecemos e reconhecemos como sendo do nosso dia-a-dia. De como todos somos um bocadinho racistas, seja quando contamos anedotas sobre pretos, ou quando queremos abrir uma escola para “monstros” especiais, excluindo os restantes; ou de como é difícil a vida depois da faculdade, quando somos confrontados com os problemas reais da vida adulta, e nem tudo corre como planeávamos sentados à conversa, com os nossos amigos no bar da faculdade; de como é difícil encontrar o amor, seja ele um homem ou uma mulher, e como encontra-lo implica enfrentar os nossos medos e aceitar que isso não será suficiente para preencher o vazio. Esse vazio, que todos carregam e pode fazer sentir-nos na merda, é normal e só quando paramos de pensar na nossa própria merda e ajudamos os outros a sair da sua merda, é que conseguimos sair da nossa.

Uma comédia, com atores afinados, coordenados, sorridentes que com uma excelente banda a acompanhar nos trazem temas atuais como o desemprego; a homofobia; o racismo; a internet e os seus diversos usos; sexo e pornografia, tudo com muita música e brincadeira à mistura.

Uma peça de teatro que é uma sessão de terapia, bem mais barata do que uma consulta no psicólogo, que pode não conseguir ajudar te a sair da merda, mas sem dúvida que vai deixar um sorriso no rosto.

Artigo de Catarina Fernandes

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