25 de Abril: sempre!

por José Malta,    25 Abril, 2019
25 de Abril: sempre!
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Abril é um mês que é sempre especial para todos nós enquanto povo português devido às celebrações da revolução que pôs término a uma ditadura que perdurou quarenta e oito anos. Os tempos passam, novas gerações surgem e é inevitável que não haja uma retrospectiva sobre tudo aquilo que foi a revolução dos cravos, o maior acontecimento da História de Portugal da segunda metade do século XX.

Caminhamos para um período em que a nossa democracia se irá sobrepor à longevidade do regime ditatorial do passado, e onde já são mais aqueles que nasceram e cresceram em liberdade. Fazer uma análise dos acontecimentos que fazem parte dos últimos anos é fácil pois são bastante recentes. Contudo, não nos podemos esquecer daquilo que foi o nosso passado no seu todo, sem nos restringirmos a apenas uma parte da nossa História. A democracia que hoje temos não é um regime perfeito, e provavelmente nunca o será. Winston Churchill chegou mesmo a proferir que esta “é a pior forma de governo, excepto todas as restantes”, isto tendo em conta outros regimes da época que envolviam, por exemplo, o totalitarismo. A luta por uma melhor democracia é algo que cabe a todos nós fazê-lo, seja no nosso dia-a-dia, seja em manifestações cívicas, seja no voto em eleições livres e democráticas, sendo este último um dos maiores direitos que a revolução de Abril nos trouxe. É necessário também realçar que a promoção da democracia é feita com os valores democráticos e não com o seu combate como há cada vez mais quem assim julgue. Em quase meio século de liberdade ainda há muito que pode e deve ser melhorado e, claro está, ainda temos um longo caminho a percorrer.

Às gerações mais novas que cresceram e viveram em liberdade, parte daquilo que foi o antes do 25 de Abril de 1974 foi-lhes transmitido por pais, avós ou outros familiares e pessoas mais velhas. As gerações futuras não terão, certamente, quem lhes possa contar em primeira pessoa aquilo que foi o regime ditatorial que imperou durante quase meio século. Cabe-nos a nós fazer desses testemunhos bandeira para que não sejam repetidos erros no futuro que nos conduzam às eras do passado. Crescemos e vivemos em liberdade, num regime amplamente democrático.

No entanto, são cada vez mais aqueles que não têm consciência disso e que pensam que voltar ao passado, a uma era fora das directrizes do sistema político actual, é a solução para resolver os problemas que a nossa democracia acarreta. Não devemos esquecer os anos em que a ditadura imperou e onde muito daquilo a que hoje temos direito não nos era concedido. Dos anos onde a liberdade de expressão era inexistente e a imprensa era completamente dominada pelo lápis azul da censura. Dos anos onde os movimentos estudantis de resistência eram intensos e onde vários alunos do ensino superior foram presos, torturados e alguns deles até mesmo assassinados. Dos anos onde os jovens eram obrigados a partir para África no combate a uma guerra em condições desumanas, regressando uns com graves mazelas físicas e psicológicas, outros sem vida, e ainda outros que nunca sequer regressaram. Dos anos onde as taxas de analfabetização eram as mais elevadas de toda a Europa e onde a pobreza da população era extrema, ficando grande parte do monopólio restringido à capital. Dos anos em que milhares fugiram do país clandestinamente devido à perseguição política e em busca de melhores condições de vida.

São as memórias destes anos que devem ser contadas para que o significado das celebrações do 25 de Abril se mantenha o mesmo nos tempos futuros, e que continue a ser um dos acontecimentos mais marcantes de uma nação com quase nove séculos de existência.

Quarenta e cinco anos depois é cada vez mais necessário um grito que consiga elevar o verdadeiro significado do 25 de Abril de 1974, de modo a que as suas celebrações continuem hoje com esse mesmo sentido. O facto de a liberdade ser uma condição que nos é inerente não pode nem deve ser privada às gerações vindouras. A missão das gerações do presente será o de manter vivo os testemunhos das gerações do passado durante um dos períodos mais sombrios de toda a nossa História. Os movimentos extremistas aumentam gradualmente em todo o mundo e põem em risco a nossa liberdade colectiva e individual. Não podemos deixar destruir um trabalho de décadas à conta de ideologias que julgam que os problemas da democracia se resolvem com o seu combate massivo. Celebrar o 25 de Abril é algo que necessitará cada vez mais de uma consciência histórica que há quem pretenda que seja cada vez mais diminuta.

O resultado está à vista com a redução das horas lectivas da disciplina de História no ensino básico que pode ser um potencializador para o fecho do portal que nos concede informações imprescindíveis sobre um passado que nunca poderá ser esquecido. Só assim é que poderemos valorizar a liberdade como uma das mais imprescindíveis condições humanas e que hoje existe graças ao esforço hercúleo daqueles que sonharam que um dia seria possível vivermos com ela.

Segundo o longo poema de Ary dos Santos, Abril “abriu portas”, portas essas que muitos lutaram intensivamente cometendo inúmeros riscos para que fossem abertas. Temos o dever de permitir que essas portas permaneçam abertas evitando o retrocesso a tal era do passado. A liberdade de hoje deve perdurar de modo a que as gerações seguintes possam usufruir dos mesmos ou melhores direitos que hoje temos. O espírito de Abril não pode nem nunca deverá morrer se tivermos consciência do nosso passado de modo a encarar o futuro que ainda há de vir. Somos nós, povo, “quem mais ordena”, ilustre verso de Grândola Vila Morena de Zeca Afonso que foi a chave que abriu as portas para uma revolução que ainda hoje é de todos nós. É com esse espírito de Abril que deveremos continuar em frente de modo a que possamos todos contribuir para um amanhã melhor do que hoje e para um futuro onde a liberdade, a democracia e a igualdade de direitos continuem a ser os grandes pilares da nossa sociedade.

E que assim sempre seja!

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