‘Uma Pastelaria em Tóquio’ e a receita para as relações humanas

por João Estróia Vieira,    27 Julho, 2016
‘Uma Pastelaria em Tóquio’ e a receita para as relações humanas
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An é o título original deste filme japonês realizado por Naomi Kawase baseado na obra literária de Durian Sukegawa. “An” é também um doce de feijão azuki que quando envolvido em duas panquecas resulta num dorayaki. É precisamente numa pastelaria cuja especialidade são estes dorayakis que se passa grande parte deste filme e ficamos a conhecer da melhor forma as singulares histórias de quem por lá passa.

Uma Pastelaria em Tóquio é uma história de almas perdidas, esperançosas da sua salvação num qualquer gesto exterior à sua vivência até então. A receita aparece, e por fim os gestos surgem.

Sentaro (Masatoshi Nagase), dono dessa pastelaria de dorayakis, não consegue fazer um “an” que o satisfaça. Tokue (Kirin Kiki) é uma senhora de idade já avançada, limitada de saúde que aparece à procura de emprego na pastelaria. Apesar de iniciais recuos por parte de Sentaro, o “an” de Tokue convence-o a dar trabalho à misteriosa senhora. A par deles temos Kyara Uchida, Wakana, que fica sentada na pastelaria após a sua refeição, criando uma amizade com o dono e a quem Sentaro oferece as panquecas não aproveitadas. A solidão é perceptível de forma diferente nestas três existências.

O cinema íntimo de Kawase aproveita a história de Tokue para transportar consigo uma mensagem de esperança e elevação do ser humano, mas mais ainda, de crença no mesmo. Tokue fala e relaciona-se com meros feijões como nós nos esquecemos de falar e de tentar chegar ao coração das pessoas. É o lado humano que tantas vezes nos vai faltando.

Três diferentes histórias de vida, três pontos que no final se unirão num triângulo comum de partilha e amizade pura. Até se conhecerem, e por razões diferentes, partilhavam apenas da sua própria solidão e afastamento da sociedade que os rodeia e que os levou, por força dos segredos de cada um, a tornarem-se nuns outcasts, em isolados. Estas três verdadeiras “ilhas” vão aproximar-se no calor e intimidade da pastelaria de onde se conhecerão e partilharão os seus sentimentos e existências dando um novo significado à palavra compaixão que nos é dada nesta história sob a forma de uma filmagem e interpretações belíssimas por parte dos actores.

Uma Pastelaria em Tóquio começa com solidão, mas o sabor do lado humano guiará a história para que esta acabe tecendo relações, confissões, partilhas, proximidades e carinho. A receita para estas relações entre as pessoas é aqui dada com soberba gentileza por parte de Naomi Kawase.

São magníficas as interpretações dos três actores principais que dividem entre si a cozedura em lume brando desta peça de cinema japonês. No entanto a menção especial vai para mais veterana Kirin Kiki, que com a sua personagem de Tokue que traz uma força de viver inigualável em ecrã, irradiando uma luz própria, coberta de momentos de leve humor e, sobretudo, sabedoria.

O ritmo lento e sentimental do filme é a forma acertadamente escolhida por parte de Kawase, uma realizadora habituada a retratar o humano. A história conhece na recta final o seu pináculo da sensibilidade nesta que é uma obra de atmosfera contemplativa e poética (olhe-se às cerejeiras em flor durante o filme, tal como a câmara nos guia a fazer) mas vincadamente humana, sobretudo isso, humana.

 

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