Três dias de celebração da música no Primavera Sound Barcelona

por Miguel Fernandes Duarte,    6 Junho, 2017
Três dias de celebração da música no Primavera Sound Barcelona
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Primavera Sound Barcelona decorreu nos passados dias 1, 2, e 3 de Junho, naquela que foi uma edição cheia de óptimos concertos, muita gente, e tempo suficientemente ameno para se poder desfrutar de concertos sem que o fruto do suor, em vez do furor, o Sol.

A edição deste ano ficou marcada pelo cancelamento de última hora de Frank Ocean. Uma semana antes do festival, foi cancelada a presença do músico americano, por problemas alegadamente relacionados com atrasos na produção. Era, sem dúvida, um dos maiores e mais esperados nomes do cartaz do festival catalão. O nome chamado para o substituir, em cima da hora, foi Jamie xx, que já ia actuar no mesmo dia com os seus The xx. A fúria face ao cancelamento foi enorme, e tornou-se inevitavelmente um dos assuntos presentes no decorrer o festival. Mas a verdade é que, aparte alguns festivaleiros com t-shirts como “Prank Ocean”, “Fuck Ocean” ou “Wanted” (com a cara do músico por baixo), a ausência do artista foi razoavelmente bem ultrapassada.

Os outros nomes grandes mantinham-se: Arcade Fire, a encabeçar o último dia, Bon Iver como cabeça de cartaz do primeiro, e agora os The xx, que passavam de segundo nome do dia para passarem a primeiro. Mas num festival desta dimensão a quantidade de nomes a ver é enorme e está muito longe de se cingir aos nomes que mais pessoas atraem. Além dos nomes que vão também marcar presença no Porto (salvo um ou outro que vai só à edição portuense), em Barcelona juntaram-se nomes como Mac DeMarco, Solange, Miguel, King Krule, Wild Beasts, Van Morrison, Seu Jorge (a interpretar músicas de David Bowie), entre tantos outros.

De entre os nomes que vão marcar presença no Porto, Bon Iver apresentou um set recheado de temas do mais recente “22, A Million”, mas encantou também com diversas canções dos registos anteriores; Metronomy surpreenderam por não fazerem o concerto incidir tanto no álbum mais recente como seria de esperar, dando um daqueles espetáculos óptimos onde todos soltam a franga; Sampha conquistou o público num registo fortíssimo, tal como o fez Angel Olsen que, por entre as suas habituais piadas e risadas ao longo dos concertos, tocou música impossível de deixar alguém indiferente; Aphex Twin encheu o recinto das melodias que faz com sons, no mínimo, invulgares; e os Run The Jewels, mesmo com uma falha técnica que obrigou o concerto a parar durante alguns minutos, pegaram fogo à plateia com a força das músicas de Killer Mike e El-P.

Infelizmente para o Porto, os três melhores concertos em Barcelona foram provavelmente de três artistas que não vão marcar presença em terras portuguesas: Arcade Fire, Solange e The xx.

Os primeiros andaram em grande, com o anúncio do novo álbum “Everything Now a acontecer no decorrer do festival; e com os mesmos a darem, além do concerto principal no último dia, um pequeno concerto surpresa no primeiro, num pequeno palco montado numa zona remota do recinto de propósito para o efeito. Num novo espetáculo redesenhado para esta nova tour (o ano passado no NOS Alive ainda se tinham apresentado com o visual do anterior “Reflektor), levaram-nos por um alinhamento recheado de todos os hits, mas também surpreenderam ao tocar músicas menos comuns como Neon Bible ou In the Backseat, ambas não tocadas ao vivo há largos anos.

Solange deu um espetáculo com pompa e circunstância, a incidir quase totalmente sobre o magnífico álbum do ano passado, “A Seat at the Table, com coreografias constantes – não só da própria Solange, como de todos os membros da banda presentes em palco.

Já os The xx trouxeram a apresentação do seu novo álbum “I See You, dando também a algumas das músicas mais antigas um pouco do toque dançável presente neste último registo. O público delirava qualquer que fosse a música e, num registo de Oliver e Romy muito menos introspectivo do que aquele que os marcava até há bem pouco tempo, o contacto com o público foi-se estabelecendo ao longo do concerto.

É impossível não fazer comparações entre esta versão de Barcelona, a original, e a que voltará a estar, nos próximos dias 8, 9 e 10 de Junho, no Porto: ambas excelentes e cheias de mais valias, cada uma passos à frente dos seus concorrentes nacionais ou internacionais em vários aspectos. Ambos são festivais urbanos, integrados com a cidade, mas o do Porto, ao contrário do de Barcelona e fruto de se situar no Parque da Cidade, está povoado de espaços verdes, de árvores, de colinas. Em Barcelona o festival também se situa num parque (Parc del Fòrum), mas é um parque urbano forrado a betão ao largo do mar, onde há auditórios ao ar livre, uma vela megalítica forrada a painéis fotovoltaicos, uma praia, e um gigantesco terreno plano em gravilha, onde se encontram os dois palcos principais. A dimensão é enorme, com os 13 palcos espalhados pelo festival, de tamanhos variáveis. Para que se tenha noção, para se atravessar o perímetro do recinto – da tal zona dos dois palcos principais até à zona oposta do festival, o Primavera Bits, junto à praia e a umas belas palmeiras – demora-se uns bons 20 minutos a pé. Tudo isto faz com que, apesar da enormidade do número de pessoas, seja possível estar-se relativamente calmo, desafogado e sem a claustrofobia que marca outros festivais urbanos deste género, como o NOS Alive, em Portugal, por exemplo.

O Primavera Sound é uma máquina muito oleada e é possível perceber isso pela forma como tudo está pensado (tirando talvez a comida onde, ao contrário do Porto, que traz bancas de restaurantes do Porto para dentro do recinto, em Barcelona a comida é sempre meio insatisfatória e mais próxima do conceito da fast-food). Há eventos surpresa a acontecer todos os dias – o tal concerto secreto dos Arcade Fire no primeiro dia, a apresentação do novo álbum dos Mogwai num palco à beira da praia, um concerto secreto das Haim no último dia, praticamente a encerrar o festival. Há espaço para as pessoas circularem, já que felizmente o Parc del Fòrum e a montagem dos palcos oferecem vários caminhos para nos deslocarmos para o mesmo sítio. Há um shuttle que leva as pessoas da zona dos palcos principais para a zona central, não só para os preguiçosos, mas também para aqueles com dificuldades na locomoção, para quem o esforço de andar tão grande distância possa ser um problema acrescido. Há casas de banho extremamente limpas, uma versão moderna dos famosos ‘porta potti’. Sabe bem ir a um festival bem organizado, como aliás também o é o do Porto.

E enquanto no Porto é possível beber uma cerveja sentado na relva a ver um qualquer concerto, em Barcelona pode estar-se sentado, por exemplo, numa bancada lateral que, além de virada para os dois palcos principais, estava também virada para o mar. E para ir buscar essa cerveja era fácil. Todos os empregados das bancas de venda de cerveja eram portugueses, e era bastante divertido vê-los sempre surpreendidos e felizes quando nos dirigíamos a eles em português. Era o menos que se pedia depois de, por comparação aos festivais portugueses, se pagar tanto para ir a um festival de música. E claro, depois do desgraçado do Frank Ocean ter cancelado a sua presença.

Fotografias de Red Bull Pool Content (primeiras duas), e de Philip Cosores (as demais).

Artigo editado às 13h00 do dia 7 de Junho.

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