Todos queríamos ser Pablo Escobar? ‘Ser narco não é cool’

por João Horta,    29 Setembro, 2016
Todos queríamos ser Pablo Escobar? ‘Ser narco não é cool’
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Não há como contornar, se “Stranger Things” foi a febre do mês de Agosto, Narcos foi a de Setembro. O hype foi imediato, ninguém ficou indiferente à história do narcotráfico colombiano dos anos 80 e 90. No centro de toda a narrativa, claro, uma personagem carismática, Pablo Escobar. Há 23 anos que este nome não fazia correr tanta tinta como agora, um feito que se deve à Netflix, mas principalmente, ao actor Wagner Moura que assume o papel de Escobar. Há quem questione os pormenores mais ou menos verídicos da série, nomeadamente, segundo alguns acontecimentos relatados pelo filho do próprio Pablo Escobar.

O meu pai era muito mais cruel do que na série. Submeteu um país ao terror. É preciso tratar desta história com responsabilidade. Há milhares de vítimas e um país por trás que merecem respeito. Estão a dizer que um narcotraficante é cool. Costumo receber mensagens de jovens de todo o mundo que me dizem que querem ser traficantes e pedem-me ajuda. Escrevem-me como se eu vendesse bilhetes para entrar neste mundo

A história de Narcos não se trata de uma “bio picture” ou documentário, mas sim de uma ficção baseada em factos verídicos. Onde muitas personagens, acontecimentos e locais foram alterados em benefício de uma storyline mais atraente. Contudo se observarmos as duas temporadas da série, notamos que existem pequenos erros de ordem cronológica, o mais crasso será, provavelmente, a ausência do passar de anos pelos filhos do personagem principal. Em todos os vinte episódios, o filho de Pablo Escobar é interpretado pelo mesmo actor. Num compasso temporal alargado, Juan Pablo Escobar tem sempre a mesma aparência, mesmo nos últimos episódios quando então era um adolescente de dezasseis anos.
O filho do narcotraficante já veio a público manifestar a sua indignação quanto a este detalhe:

“[a série] Está cheia de erros. Para começar: eu não era criança. Na série pareço o Benjamin Button, sou cada vez mais novo, pareço ter oito anos. Eu tinha 16 anos quando o meu pai morreu. E sabia de tudo. Ele sempre me contou que era um bandido, um traficante. Víamos televisão e a sua voz não se alterava ao dizer-me: eu coloquei esta bomba. E discutíamos”, disse Pablo Escobar (filho).

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Agora, colocaremos de lado estes apontamentos e olharemos para as mais-valias existentes nestes vinte episódios. O profissionalismo desta produção é notável, não são perceptíveis falhas de anotação ou mesmo de racord. No que diz respeito ao guarda-roupa e cenografia, o rigor com que foi tratado é de realçar. A dimensão é bastante significativa, se olharmos para a quantidade de veículos, casas, cenários de gabinetes e estabelecimentos, fardas e acessórios de indumentária. Se a tudo isto for somado o número de figurantes envolvidos, podemos afirmar de caras que esta não foi uma produção low-budget.

A escolha da banda sonora também assume um papel importante para a criação de uma atmosfera coerente. Muito marcado pelos ritmos latinos e tradicionais colombianos, mais concretamente a cumbia. A música de abertura que também já ecoa por esse mundo fora, é da autoria do músico brasileiro Rodrigo Amarante.

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Todos estes pormenores contribuíram de forma eficaz para a recriação dos ambientes ideais. Foram essenciais para a envolvência dos espectadores na história, tornou-a mais próxima e realista. E aqui reentra a discussão dos pontos verídicos ou não. Quando uma produção vai a todos os pontos de fidelidade visuais para a construção de figurinos e cenografia, quer em termos históricos, quer a nível das representações sociais, é normal que a audiência assuma para si que tudo o que está a ver é real ou, pelo menos, muito próximo da realidade. Talvez, seja essa a razão pela qual, o filho de Pablo Escobar tenha feito uma declaração onde apontava vários erros à série, alertando para que esta não se confunda com a realidade dos factos.

Outro factor crucial para a coesão em Narcos é a interpretação de Wagner Moura na personagem de Pablo Escobar. De tal forma, que dificilmente alguém olhará para a real imagem do narcotraficante sem associar à do actor brasileiro. Em certos momentos esquecemo-nos que está a ser retratado um dos criminosos mais mortíferos de sempre. A humanização do personagem é muito bem trabalhada por toda a equipa, desde os argumentistas à direcção de fotografia e claro, pelo próprio actor. Esta humanização reflecte-se em cenas do personagem com a família ou com os seus fiéis sicários. A certa altura já nos questionamos se Escobar é de facto o derradeiro vilão desta história. Questionamos, inclusive, quem são os bons e os maus, contudo não se pode passar em branco as cerca de três mil mortes causadas pelo traficante colombiano. Como reitera Sebastian Marroquin (nome actual de Juan Pablo Escobar): “ser narco não é cool“.

Já esperamos pelas próximas duas temporadas, entretanto confirmadas pela Netflix, sabendo que depois do desmantelamento do Cartel de Medellín, os agentes da DEA, Penã e Murphy terão agora a missão de erradicar o Cartel de Cali. Narcos ajuda não só a compreender a história de Pablo Escobar, mas também um problema real que afecta a Colômbia. Trata-se de uma produção que retrata aquilo que se passou no país, independentemente da factualidade ou não de determinados acontecimentos.

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