‘The Eyes of My Mother’, uma pedrada no charco do cinema de terror

por João Estróia Vieira,    24 Fevereiro, 2017
‘The Eyes of My Mother’, uma pedrada no charco do cinema de terror
PUB

Num género sobrelotado como o de terror, a marca estilística do criador torna-se na distinção essencial que separará o “trigo do joio”, seja pela história ou pela forma como esta é contada. Assim acontece neste The Eyes of My Mother, a primeira longa-metragem de Nicolas Pesce. Trata-se de um filme com uma realização sem medo, seja em colocar o cunho estritamente pessoal na sua primeira obra, seja em deixar perguntas por responder – uma ousadia tantas vezes evitada em detrimento de um facilitismo melhor aceite aos olhos da maioria dos espectadores.

Kika Magalhãs (Francisca), portuguesa, é a protagonista com a qual The Eyes of My Mother ganha um toque de realismo que o eleva a um nível superior quando comparado com outras obras. A sua beleza quase fantasmagórica, aliada a uma ingenuidade necessária à personagem – tão bem transmitida por Kika – faz com que acreditemos no que se passa em ecrã, um cuidado que é quase impossível de ter em cinema mais mainstream pelo afastamento que a falta de intimidade das obras provocam e que tanto valor lhes retira.

The Eyes of My Mother lida carinhosamente com o grotesco – a imagem de um cadáver a ser lavado numa banheira cheia de leite, além de possuir uma beleza poeticamente negra, é sinal disso mesmo. Para isso, obviamente que a escolha pelo preto e branco ajuda na criação do ambiente exigido, mas se o resto não funcionasse, esse seria mais um erro, em vez da acertada escolha que acabou por ser. Além disto, e contribuindo a um saudosismo para o qual as acções da protagonista conduzem, temos também a voz de Amália Rodrigues, com uma aura tão própria, que só o fado, pela sua voz, consegue transmitir.

Não é fácil acrescentar algo de novo a um género onde facilmente se apontam clichés como forma de descrédito por si só. É, por isso, assinalável este à-vontade com que Nicolas Pesce pega em elementos cujas referências podemos facilmente apontar e lhes dá uma roupagem própria, sua. De ligações a Psycho até uma fixação ocular manifestada pelos cortes em planos próximos, a fazer lembrar a ousada curta colaborativa entre Luís Buñuel e Salvador Dali em Un Chien Andalou, as fontes de onde Pesce bebe, manifestam-se, mas não sem antes lhes ser dado um cunho pessoal por parte de alguém que sabe perfeitamente o que quer do seu filme e o sabe conduzir até ao resultado pretendido.

É neste limbo entre o toque autoral em lugares comuns do género que se encontra a sintonia que faz The Eyes of My Mother funcionar. A originalidade, objectividade, o toque experimental e a aceitação prévia de que apesar de influenciado, o seu cinema pode de facto ser seu, torna este filme num espectáculo de brutalidade que acaba por se tornar nalgo fresco num género em que isso é tão necessário para que a própria obra possa sobressair.

The Eyes of My Mother estreia esta semana nos cinemas, estando também disponível na plataforma Filmin a partir de 2 de Março.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.