‘Só somos felizes quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo’, José Eduardo Agualusa

por Lucas Brandão,    12 Dezembro, 2016
‘Só somos felizes quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo’, José Eduardo Agualusa
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A literatura de língua portuguesa tem ganho cada vez mais repercussão e diferentes fontes de diversos países pertencentes à sua comunidade. Entre eles, os africanos, nomeadamente Angola e Moçambique. Nesse meio mais tradicional e aquecido, surge o nome do angolano José Eduardo Agualusa. Figura de proa das narrativas criadas neste século, vem consolidando um legado que é seu e do seu país, transportando a infusão africana para as movimentações dos nossos dias. Para além disso, introduziu e vem introduzindo África a muitas crianças através dos seus contos dedicados a esta faixa etária. Um nome assinalável numa literatura em expansão na variante da quantidade, emergindo como destaque no campo da diferenciativa qualidade.

José Eduardo Agualusa Alves da Cunha nasceu a 13 de dezembro de 1960 na cidade angolana de Huambo. Com familiares portugueses e brasileiros (declarando-se afro-luso-brasileiro), viria a crescer e a formar-se em Lisboa, nomeadamente no Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa. Aqui, estudou agronomia e silvicultura, reforçando a sua identidade africana a partir da abordagem aos habitats naturais e viscerais desse distinto continente. No entanto, a sua apetência criativa e literária veio a revelar-se a partir dos anos 90 em colaborações frequentes em meios de comunicação nacionais, tais como o jornal Público e a revista LER, e internacionais, como o jornal brasileiro Globo e a estação radiofónica RDP África. Neste, realizou um programa sobre música e poesia do seu continente denominado “A Hora das Cigarras”. Um outro projeto profissionalizado encetado por Agualusa foi a criação da editora canarinha Língua Geral, ao lado de Conceição Lopes e de Fatima Otero. Esta circunscreve-se somente à publicação de obras cujo idioma original seja o português.

Enquanto escrevia e dava cartas no jornalismo, viveu em diversos lugares distintos, tais como Berlim, Luanda ou Rio de Janeiro, escrevendo não só romances como também poesia e peças de teatro. Duas delas foram redigidas ao lado do moçambicano Mia Couto, sendo elas “Chovem amores na Rua do Matador” e “A Caixa Preta“. As viagens que empreendeu só se tornaram viáveis após receber três bolsas de criação literária, concedidas por diferentes instituições do ramo ou fundações. Recebeu também um convite da Fundação Holandesa para a Literatura em 2009 para ficar em Amesterdão dois meses, escrevendo lá “Barroco Tropical“. Neste, a história passa-se em Luanda no ano de 2020, em que uma mulher cai do céu numa tempestade tropical, sendo as testemunhas desse episódio parcas para o credibilizar.

“No meu país, a realidade é mais poderosa que a ficção“.

José Eduardo Agualusa sobre Angola.

O seu repertório literário é vasto e encontra-se ainda em pleno crescimento, sendo que algumas das suas obras demarcam-se das demais. Em “Estação das Chuvas” (1996), um dos primeiros êxitos do autor, relata-se a vida da poetisa e historiadora Lídia do Carmo Ferreira, angolana que desapareceu em 1992 durante a guerra civil do país. Já em “Nação Crioula: correspondência secreta de Fradique Mendes” (1997), mescla-se um contexto real (luta pela abolição da escravatura em Angola) com ficção, na medida em que o discurso segue em forma epistolar, numa correspondência entre Carlos Fradique Mendes e Ana Olímpia. Esta personagem surge como um caso de sucesso em Angola, singrando e abastando-se após ser escrava. O título remete para um heterónimo criado pelo Cenáculo, uma tertúlia literária portuguesa do século XIX composta por autores notáveis, como Eça de Queirós ou Antero de Quental. Este tratava-se de uma figura viajada, moderna e irreverente, em que a sua poesia se baseava grosso modo nos escritos e pensamentos do francês Charles Baudelaire.

Na década seguinte, em 2004, lançou “O Vendedor de Passados“, contando a história de um vendedor de ilusões a partir de árvores genealógicas. Este é Felix Ventura, um albino que constrói estas árvores e que as vende aos mais ricos e influentes da socieddade angolana, para lhes garantir um passado tão bom quanto o futuro que lhes está assegurado. Com a narrativa a ser conduzida por mais que uma figura, tudo muda quando um estrangeiro lhe solicita uma identidade totalmente nova e com origens em Angola. Quanto a “As Mulheres do Meu Pai” (2007), o africano volta a colocar em paralelo realidade e ficção e expressa a vontade da filha mais nova do compositor angolano Faustino Manso de reconstituir cinematograficamente a sua conturbada vida. Com as tão continentais música e mística à mistura, as mulheres são as principais protagonistas das incidências deste livro, levando a várias viagens e descobertas de vulto na afirmação da identidade cultural nacional. Uma outra obra marcante nesta valorização é Teoria Geral do Esquecimento (2012), partindo da perspetiva de uma mulher de nome Ludo para contar a história de Angola desde a sua independência. Durante três décadas, Ludo barrica-se no seu apartamento enquanto assiste às diferentes metamorfoses da sua nação, tanto sociais como políticas.

Todo o seu pecúlio criativo valeu-lhe uma diversidade de galardões nacionais e internacionais, tais como o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens (2002, com Estranhões e Bizarrocos, um conjunto de contos que partem de um inventor que cria coisas impossíveis), o Prémio Independente de Ficção Estrangeira, do jornal inglês The Independent (2007),  e o Prémio Fernando Namora (2013). Para além destas atribuições, os seus livros foram traduzidos para vinte e cinco idiomas diferentes e postos em circulação nos mais diferentes pontos do mundo. No seu agrupamento escrito, nota-se uma tendência por parte do autor em contextualizar-se na história, tanto sua como daqueles que ajudaram a erguer o país e o mundo tal como são. Para caminhar na ambição do sonho e da imaginação, captura as décadas e as suas vivências para voar através das suas personagens e das suas experiências. Para auxiliá-lo nessa medida, socorre-se de um discurso limpo e de fácil interpretação que mergulha numa diversidade tipológica de episódios, indo do fantástico ao sentimental até ao burlesco. Confirma-se o seu talento literário e criativo numa base investigativa e empírica de tudo aquilo pelo que o seu país viveu no seu crescimento até aos dias de hoje.

José Eduardo Agualusa é um dos nomes de proa da literatura africana, atuando como um agente de enorme influência na valorização da sua identidade e da da lusofonia. Partilhando os mais ínfimos detalhes culturais angolanos e fundindo-os numa ficção contextualizada, é com perícia que reporta a tempos idos e outros conjeturados daquilo que Angola foi, é e será ao longo dos tempos. Com um repertório extenso e variado, Agualusa afirma-se como um dos rostos que convida a que entremos num imaginário mesclado e fundamentado na realidade vivida por outros tantos. Desde Angola para todo o mundo, procurando partilhar a paixão e a devoção dos seus para com as suas terras. A gratidão que por Angola nutre reflete-se nos textos e contos de uma autoria de distinção e com uma assessoria de gerações e de vibrações.

“Antigamente todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o Príncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos. Na vida, é claro, nenhum enredo remata assim. As Princesas casam com os guarda-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois são infelizes até que se separam. Anos mais tarde, como todos nós, morrem. Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.”

José Eduardo Agualusa, in ‘O Vendedor de Passados’

Fotografia de capa de artigo retirada do site do autor

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