Que haja sempre tanto rock quanto as Pega Monstro nos quiserem dar na ‘Casa de Cima’

por Sara Miguel Dias,    23 Junho, 2017
Que haja sempre tanto rock quanto as Pega Monstro nos quiserem dar na ‘Casa de Cima’
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Maria e Júlia Reis, as ditas Pega Mostro, são a dupla lisboeta que itera que, no nosso país, para se fazer garage rock viciante e merecedor de ser ouvido, uma guitarra e uma bateria são mais que suficientes – isto, obviamente, sabendo seguir e complementar o ritmo e som de cada um dos instrumentos, criativamente desenvolver uma ideia fresca e nova, etc, etc, coisa que as irmãs Reis fazem com uma química aditiva.

Fundaram com os amigos em 2008 a editora independente Cafetra, pela qual têm lançado os seus álbuns: “O Juno-60 Nunca Teve Fita”, EP de 2011, sai como um compêndio de músicas rápidas e diretas. Seguiram-se dois LPs: um primeiro self titled, produzido por B Fachada, com quem mais recentemente fizeram um EP colaborativo; e o “Alfarroba”, no qual aprumaram essa receita de punk rock ensurdecedor e cativante, que tem vindo a caracterizar a sua música. Componente igualmente importante na solidificação da banda é a gíria que acompanha os instrumentos – espirituosa e frontal, bem à moda tuga.

Casa de Cima”, terceiro do grupo, saiu este mês, e é, mais que um passo em frente, um passo numa direção mais ousada e diversificada. A guitarra está mais mansa, e dá espaço para que a harmonização vocal ganhe realce, assumindo um plano principal neste álbum.

O primeiro single “Partir a Louça Toda” fez uma transição smooth entre o que era e o que passou a ser, preparando-nos ainda para o que ainda estava por vir. E, apesar da mudança, não se apoquentem; a retórica tão na ponta da língua continua lá – “E tá na hora de espancar / A cabecinha dos betinhos”. “Pouca-terra”, por sua vez, alterna o batimento mais presente e contínuo do álbum com momentos de maior quietação – que caem que nem ginjas, combinados com a acidez das palavras “joão-sem-medo  / és um nómada do namoro  / a misantropia caía-te melhor” –, e um instante de puro raw power, que parece saído de um jam caseiro pouco estruturado (como costumam apresentar nas atuações ao vivo) que resultou na perfeição.

“Ó Miguel”, “Odemira” e “Cachupa” transparecem mais a dita mudança de abordagem, apresentando-se num registo mais pop-rock; são músicas mais cantadas – nunca soaram tão bem as melodias. “Cachupa” destaca-se especialmente neste álbum, quando, com a bateria quase que em compasso de espera, nos apresenta “O Moinho do Café”, poema de Fernando Pessoa, repetido em sucessivo crescendo, em modo de metáfora conclusiva da lamuriosa letra antecedente.

A surpresa maior surge com “Fado da Estrela D’Ouro” e “Sensação” que demonstram a faceta mais eclética da dupla. Sonoridades que não sabíamos desejar da banda, mas agora que ouvimos ficamos de boca aberta. A primeira, uma balada, apresenta ao ouvinte o lado sensível da voz de Maria Reis, que conta uma história com Lisboa como fundo – “Encontrei-te à 00h00  / na Estrela d’Ouro  / fica ali na velha Graça  / na Senhora do Monte” –, o que tem vindo a ser hábito por entre os cantautores da cidade; a segunda, uma confissão, a ganhar dimensão, com a passagem da percussão orquestral para a entropia distorcida, que surge como reflexo do estado de espírito nas palavras entoadas.

Alternâncias temporais e estilísticas preenchem as sete canções de “Casa de Cima”, e um lado mais emotivo da banda é-nos apresentado. Combinadas estas características com a meticulosa produção de Leonardo Bindilatti, o resultado é um álbum estelar, que põe a banda num pedestal, enquanto exemplo do rock que deve ser experimentado, feito e celebrado.

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