Para onde vai o nosso futebol?

por Lucas Brandão,    11 Agosto, 2017
Para onde vai o nosso futebol?
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Sou um daqueles que me apregoo como poeta do futebol. Desde pequeno que me deixei maravilhar e cativar pelos grandes craques, tanto na baliza, como com a bola nos pés, ou com o campo configurado na mente, organizando os vários peões neste xadrez limitado em tempo. Ainda hoje assim é. Como tal, fico frustrado quando vejo equipas limitadas muito mais em intenções e ambições do que em recursos. É preocupante, porque o sonho carrega tantos de nós à glória. Eis um sintoma que se professa como a grande problemática da nossa realidade, em especial a portuguesa.

São várias as equipas que conservam para si a bola, tentando arrecadar a glória mínima do ponto ou do empate. Como poeta, sempre gostei de me deleitar pela estrofe dos grandes heróis, que, mesmo sem troféus, compaginam o prazer e a essência deste jogo tão belo, e importunado pela industrialização maciça e pelos modelos de negócio. As contas, bombadas em petrodólares, medem o sucesso em capital. O jogo tornou-se pobre, mas já o era outrora. No entanto, o cruzamento da apropriação de talentos e de elementos de proa não deve ser incapacitante de conseguir, com uma ideia apelativa e apaixonada, encantar e maravilhar, não só pelos marcadores, mas pelas glórias oferecidas e requintadas no coração daqueles que mais gozam de uma boa partida. Por muito que as forças contrárias – e quase inexpugnáveis – à identidade futebolística se afirmem, como uma catástrofe, que tem tanto de natural como de social, nada consegue tirar o brio e a diferenciação artística de uma ideia de jogo, de um conceito técnico-tático arrojado, e de uma alegria que dá cor e alegria à história deste honrado desporto.

Claro que os troféus sabem sempre de forma imensurável e inolvidável, mas nada se saboreia bem sem um pouco de prazer. É como na vida, como na sociedade, como na realidade, na mesma em que nos deparamos com uma focalização no homem do apito que se supera a qualquer outro juízo sobre o que seja, entre os protagonistas desta fabulosa atividade. O futebol é um jogo, não parte de um contencioso judicial. É mais do que isso. É ir às entranhas. É o jovem que pega na bola nas ruas e nos recreios da escola, e que sonha emular os seus ídolos, nos estádios repletos de adeptos ferverosos, mais preocupados com as suas vitórias do que com as misérias alheias. Tudo vale, até ganhar de forma desonesta e pouco ética. E os valores? Onde é que eles estão? Se o vizinho do lado não os tem, é razão para que o acompanhemos nessa dimensão tão sensaborona?

Também o adepto se esquece daquilo que é o futebol. Mais do que usufruir e do que reconhecer a justiça dos marcadores e dos títulos (haverá, realisticamente falando, um campeonato que não seja justamente atribuído, num percurso de consistência e de regularidade?), defende-se a cor. Todo o pensamento isento e transparente, em relação àquilo que é a modalidade avidamente discutida e consumida, se perde, e nem na honra patriótica se reencontra. Até aí o calão e a ofensa se avolumam contra o expatriado do outro país. A comoção e a partilha tornaram-se um mito, que ainda se recorta nas fotografias que arrancam um sorriso e uma aspiração a que o futebol seja mais valores do que dores e dissabores.

Sou um apaixonado pelo meu clube, mas, de igual forma, apaixonado pelo desporto. Por mais do que as arbitragens possuam responsabilidades que lhes possam ser imputáveis, também nós erramos. Também nós devemos de olhar para dentro diariamente, e evoluir, tendo em consciência que, antes de partir para a mudança externa, há muito a reconstruir, a ajustar, a retificar. Irónico como, no refúgio que o futebol é para muitos da realidade com a qual discordam e com a qual se frustram, reagem da mesma forma, decalcando aquilo que são as chatices na vida.

O futebol está a perder-se nestas discussões ocas, vazias. Dentro das quatro linhas, a paixão apequena-se pela virtude ínfima do resultado. Num 8-4, num 6-0, num 2-4, ou num 0-7, há sempre algo a apontar, a evoluir, a crescer. Um parcial são só números, assim como o palmarés. O que perdura nos corações são as memórias, as paixões, as experiências, as sensações. Aplicado a ambos, os grandes jogos, os grandes golos, as grandes emoções, as grandes superações. O pequeno não quer segurar o resultado, mas sim ter a bola. O pequeno não quer ganhar sem golos, mas sim com muitos. O pequeno não quer ver o outro perder, mas sim ganhar em conjunto. Falta-nos um bocadinho assim. A todos.

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