O futebol enquanto ciência humana: “Não há chutos na bola, há Homens que chutam”

por Pedro Fernandes,    13 Maio, 2017
O futebol enquanto ciência humana: “Não há chutos na bola, há Homens que chutam”
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“Tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol.”

Albert Camus

O Desporto é um dos maiores fenómenos do mundo. Se juntarmos as pessoas que praticam com as que assistem, quantas sobram? Muito poucas, certamente. Em Portugal, o Desporto com maior número de praticantes e de visibilidade é o Futebol. Um assunto que, apesar de polémico pela rivalidade entre adeptos e dirigentes, continua a provocar paixões e atrair multidões.

Todos sabemos que um jogador de alta competição precisa de ser magro, praticar os movimentos técnicos, ter uma boa alimentação e treinar muito. No entanto, esta obsessão de treinar o físico é um paradigma errado. Neste contexto, o autor de maior relevância é Manuel Sérgio, filósofo e professor catedrático convidado aposentado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, que defende, desde os anos 70, que a ideia de “Educação Física” está errada. Ao invés, sugere que se deve olhar para o atleta, não como um corpo que precisa de treino, mas sim como um “Homem em movimento intencional da transcendência”. Defende ainda, que o atleta não compete para ter saúde, ele compete por ter saúde. Isto, porque depende da sociedade como um todo. Só se pode ser saudável numa sociedade com liberdade. Daqui resulta que um treino direccionado para promover movimentos físicos será mal sucedido, é preciso ter em conta os Homens que vão resultar da sessão de treino. José Mourinho foi seu aluno e refere sempre o seu nome como uma grande influência, sobretudo pela sua frase: “Quem só sabe de futebol, de futebol nada sabe”; foi aqui que o jovem Mourinho percebeu que tinha de ser um mestre nas relações humanas para poder ser um treinador de topo.

O trabalho do treinador é muitas vezes menosprezado e simplificado na boca dos “treinadores de bancada”, mas, na verdade, é muito difícil. Os clubes de topo preocupam-se em dar-lhe o máximo apoio, em vez de ficarem distantes a ver os resultados que este “empregado” consegue gerar. Ter um bom centro de treinos, ter uma boa equipa médica, contratar bons jogadores, ter um bom relvado, ter o estádio cheio, etc. são tudo factores que contribuem para o sucesso da equipa. Hoje em dia, os clubes profissionais até têm pessoas que apoiam as famílias dos jogadores; por exemplo, se um jogador precisar de levar o filho à escola durante o treino e não tiver ninguém que possa dar conta do recado, os clubes tratam disso. O futebol depende de muitos detalhes. Sir Alex Ferguson, a propósito das dificuldades que ser treinador acarreta, disse que a sua missão era muito difícil, porque tinha de liderar jovens de diferentes nacionalidades que com 18/19 anos já são milionários e estrelas das redes sociais. Para uma equipa funcionar é preciso haver equilíbrio entre egos e justiça nas decisões. Sem esquecer, como disse António Lobo Antunes:os jogadores de futebol não são burros e um grande jogador tem de ser forçosamente inteligente”, citando exemplos como Albert Camus, que foi guarda-redes.

O maior factor de saúde é a vida ter sentido para nós; é ser feliz, ou vá, sentirmo-nos concretizados. Por isso, não só é importante discutir se a equipa deve jogar em 4-4- 2 ou 4-2- 3-1, mas também é necessário perceber se o grupo é coeso, se os Homens que jogam são felizes, se estão todos comprometidos com os objetivos coletivos. Por este motivo, o Futebol tem sido uma fonte de diversos estudos na área da motivação para campos do saber como a Gestão de Empresas.
Só depois de se perceber que Homens estão a jogar se pode jogar Futebol. Como diz Manuel Sérgio: “não há chutos na bola, há Homens que chutam”.

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