Lisb-ON Jardim Sonoro: no terceiro dia, o jardim passou a selva sonora

por Bernardo Crastes,    14 Setembro, 2016
Lisb-ON Jardim Sonoro: no terceiro dia, o jardim passou a selva sonora
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Domingo, dia santo, foi o dia mais concorrido do Lisb-ON. Até então, a edição estava a provar ser bastante bem-sucedida. Domingo foi também o dia mais quente, mas isso não impediu as pessoas de dançarem ao som de uma lenda como Marcos Valle, ou de possíveis futuras lendas, como os Jungle.

Nós chegámos pouco depois do recinto abrir as suas portas, dando oportunidade a João Tenreiro de abrir a sua colecção de discos, que partilhou connosco durante cerca de duas horas. Passando principalmente por clássicos, nomeadamente da música brasileira (adequado ao nome que se seguia), o pouco público que por lá se encontrava entusiasmou-se, levando alguns corajosos a enfrentar o calor obstinado das altas horas da tarde com um pezinho de dança.

De seguida, tivemos direito a algo absolutamente inacreditável. Marcos Valle, um dos grandes nomes da música popular brasileira, estreava-se em Portugal, ao fim de mais de 50 anos de carreira. Com à-vontade e destreza incríveis, atacou clássicos como “Samba de Verão” ou “Água de Coco”. Padrinho dos Azymuth, que haviam actuado no dia anterior, tocou ainda “Azimuth”, música que inspirou a banda, e possivelmente muitos outros neste mundo. Ninguém conseguia desligar-se da sensação de estar a assistir a algo inédito, de ver uma verdadeira lenda em acção. Os sorrisos estavam presentes em todas as faces, tanto no público como no palco. Dificilmente conseguimos pensar numa melhor forma de passar uma tarde indolente de Domingo, que não dançar ao som do caldeirão de bossa nova, samba, rock e pop, cozinhado por Valle e pela sua banda. O concerto até se prolongou, “porque eles pediram!”, disse Marcos Valle, apontando para nós.

Gerd Janson no Lisb-ON

Com menos tempo e artistas de maior gabarito neste dia, o cartaz foi menos extenso e os concertos foram maiores. O que não variou relativamente aos outros dias, foi a presença dos Meute, que continuaram a entrosar-se no meio do público, animando repetentes do festival ou novas caras, todos deliciados.

Max Graef, berlinense de 23 anos, tomou o palco acompanhado de um outro jovem, com um set cujo maior defeito foi ter sido àquela hora. As batidas intensas soaram demasiado severas para uma hora tão diurna, caindo em saco roto. Ainda assim, mesmo com menos efusividade, o público abanou o corpo ao som das canções meticulosamente passadas por Graef e seu parceiro, que têm muito potencial para deixar uma grande marca no circuito da música electrónica, que tanto amam. Esperamos vê-los num outro contexto.

Não precisamos de estar aqui com rodeios para afirmar que o concerto dos Jungle foi, muito provavelmente, um dos melhores concertos do ano em Portugal. Com um alinhamento que passou por todas as canções do álbum de estreia, editado em 2014, apresentaram uma dedicação e precisão incríveis. Todas as músicas soaram aprumadas e cheias, cheias de som e emoção que entram pelo corpo adentro e têm de sair através do agitar do corpo. Ficaram rendidos ao povo português, que os presenteou com as maiores ovações do festival. E, da parte do povo, quem ainda não estivesse rendido, provavelmente tê-lo-á ficado após ouvir a magnífica “Drops”. Uma das canções mais profundas e tranquilas do álbum ganha uma nova força ao vivo, culminando num final inacreditavelmente intenso. “See you soon!” Por favor, que voltem depressa.

Jungle no Lisb-ON

É difícil vir a seguir a um concerto como o que tinha acabado de acontecer, mas Gerd Janson não teve outro remédio senão vir animar o público que se deixou ficar no Jardim Sonoro para o serão de Domingo. O set foi constantemente ancorado por baixos apocalípticos dignos de canções da vaga industrial, que provocavam uma vibração absurda nos corpos espalhados pela relva (ou quase relva). Foram segmentos de uma brutalidade inexplicável, mas que, ao mesmo tempo, incorporavam elementos mais brandos como teclas ou vozes. Isto trazia equilíbrio às canções, não afastando o público com tamanha austeridade.

Três horas separaram o início do set de Janson do final do festival, que foi fechado com uma chave de ouro. Após o crescimento desmedido do segundo ano e os problemas que daí advieram, a organização do Lisb-ON conseguiu fazer os críticos engolir as suas palavras duras com uma terceira edição fantástica que, sem dúvida, angariou adeptos para a causa do jardim sonoro.

Meute no Lisb-ON

Fotografias de Linda Formiga

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