‘Hikari’: O cinema radioso de Naomi Kawase

por Paulo Portugal,    24 Maio, 2017
‘Hikari’: O cinema radioso de Naomi Kawase
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Um filme tocante sobre o cinema, e até mesmo a crítica de cinema, poderia ser a proposta mais calhada para uma Palma de Ouro. Mesmo que não ganhe, talvez por também não ser perfeito, Hikari deixou aberta a janela visual e sensorial dessa coisa chamada imagens em movimento.

Esse exercício acabaria também por estar na génese do último filme de Naomi Kawase, Hikari. Assim de repente, não nos lembramos de nenhum realizador capaz de captar uma dimensão mais sensorial do cinema como Naomi. Seja no original Hikari, ou nas variantes britânica (Radiance) ou francesa (Vers la Lumière), a cineasta de 48 anos sugere-nos a certa altura uma redescoberta do poder das imagens e do cinema como meio de comunicação.

Esta possibilidade surge através do esforço de Misako (Ayame Misaki), uma narradora de imagens para invisuais, ao transmitir por palavras o que se vai passando no ecrã, por forma a apurar a melhor descrição do filme, algures entre o apoio narrativo e o espaço em branco para a emoção.

De forma voluntária ou não, o que Naomi Kawase acaba por estabelecer é também um diálogo muito interessante entre o que pode acontecer com a criação cinematográfica e o próprio papel da crítica até, já que as opiniões muito frontais dos invisuais consultores conferem esse espaço salutar de discussão. No fundo, uma forma poética de abrir a tal janela do cinema, e já agora da fotografia também. Hikari é dos filmes mais fortes que passaram na Selecção Oficial, pelo menos aquele que mais chegou perto de explorar os horizontes do cinema.

Pena é que talvez uma necessidade narrativa tenha conduzido a trama a um final que desbarata parte do potencial recolhido, cedendo ao mais do que previsível romance entre Misako e o fotógrafo Masatoshi (Masaya Nakamori) a caminho de se tornar invisual. É a tal procura da luz de que fala o título a permitir descobrir um novo mundo. Um momento, seguramente, se bem que não tão intenso como a tal descoberta das imagens que não existiam.

Talvez por se tratar de um dia menos exigentes em termos de filmes da Seleção Oficial, acabámos por seguir o programa Cannes Classics, para descobrir as cópias restauradas de Madame De, de Max Ophuls, com Charles Boyer e Danielle Darrieux e Vittorio De Sica, bem como Belle de Jour, de Louis Bunuel, com Catherine Deneuve que acabáramos ver na pose para a foto comemorativa dos 70 anos do Festival. Por fim, o fascinante intrigante Becoming Cary Grant, e a sua experiência terapêutica com LSD.

Artigo de Paulo Portugal, publicado no nosso parceiro Insider Film

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