‘Goths’, de The Mountain Goats, aponta uma nova luz à cultura gótica

por Bernardo Crastes,    2 Junho, 2017
‘Goths’, de The Mountain Goats, aponta uma nova luz à cultura gótica
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Os Mountain Goats têm uma carreira que já dura há mais anos que a existência de uma boa parte dos colaboradores da Comunidade Cultura e Arte. São daqueles estandartes do indie rock/indie folk que lançam álbuns a um ritmo constante – “Goths” é o seu décimo sexto – mantendo sempre uma qualidade admirável. Da sua carreira lo-fi no início dos anos 90, evoluíram para uma abordagem mais polida, não retirando o foco das emoções humanas, algo omnipresente nas suas canções.

Como o nome do álbum indica, o seu tema é a subcultura gótica, nomeadamente aplicada à música. Encontram-se várias referências a artistas característicos do movimento gótico, como Siouxsie and the Banshees, The Sisters of Mercy ou Gene Loves Jezebel, e até uma canção com o curioso título “For the Portuguese Goth Metal Bands”. É um álbum riquíssimo em detalhes vívidos, com letras descomprometidas escritas pelo líder do projecto, John Darnielle. Captura a essência desse sub-movimento cultural, passando por descrições das roupas características, rituais de concertos e escolhas artísticas, e, a um nível mais metafísico, pela forma como a realidade da vida pode ser dura para os apologistas da cultura gótica.

Ao mesmo tempo que Darnielle se propõe a analisar esta cultura, fá-lo num espectro musical bastante distante do rock gótico, o que não deixa de ser uma escolha interessante. Esta foi uma escolha consciente, tanto que as notas que acompanham o álbum orgulhosamente anunciam “No guitars.” (com a excepção do fantástico baixo de Peter Hughes) e John Darnielle apenas toca piano ou piano Rhodes. No geral, as canções soam divertidas, solarengas e perfeitas para cantar juntamente com o vocalista, com os seus ritmos certeiros e a inclusão de instrumentos de sopro.

Um exemplo ao qual não se aponta nenhum defeito é o single de avanço, “Andrew Eldritch is Moving Back to Leeds” (com a referência ao vocalista dos Sisters of Mercy no título e na letra da canção), com um ritmo constante acompanhado de flautas coloridas, que trazem à mente uma marcha jubilosa. Na canção, imagina-se que Andrew Eldritch volta à tranquila terra onde viveu e começou a sua carreira punk, aonde todos eventualmente regressam, desistindo da sua carreira musical, numa referência à ciclicidade da vida que toca a todos, até o vocalista de uma reconhecida banda de rock gótico.

As personagens conscientes de si mesmas e as histórias imaginadas ao longo do álbum são, ao contrário daquilo que normalmente associamos a góticos, coloridas. Em “The Grey King and the Silver Flame Attunement”, o narrador olha à sua volta, algures numa cave em West Covina, rodeado de um público assumidamente gótico, acabando por concluir no refrão que ele próprio é hardcore, mas não tanto como alguém que alterou os seus dentes para se assemelharem a caninos. É uma canção lindíssima, que é, ao mesmo tempo, melancólica e hilariante. “Stench of the Unburied” segue alguém que leva um estilo de vida destrutivo, mas que, apesar de incoerente, continua funcional e a conduzir pela Califórnia a ouvir Siouxsie and the Banshees na rádio KROQ. As múltiplas referências evocativas criam um cenário muito real nas nossas mentes e ligam-nos a esta personagem que sabe que está a fazer escolhas perigosas, mas continua a sabotar-se a si mesma.

Poderia mencionar muitos mais exemplos, mas não pretendo retirar a experiência de descobrir este mundo ao eventual ouvinte, até porque este é um álbum que, quanto mais se ouve, mais cresce. Cada audição pinta um retrato mais detalhado destas personagens cartoonizadas, inspiradas em pessoas reais, e do mundo cavernoso e escuro que as rodeia, com pequenas incursões de luz e esperança, normalmente baseadas na importância da amizade. Para além da riqueza lírica, o álbum flui maravilhosamente, com uma suavidade que o torna facílimo de se ouvir.

Após um álbum conceptual sobre wrestling, lançado em 2015, os Mountain Goats mostram-se especialistas em escrever canções com temas tão específicos, sem descurar a música que está por trás. Sem dúvida, um álbum a escutar!

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