Gianluigi Buffon, o último monumento de Carrara

por João Miguel Fernandes,    1 Junho, 2017
Gianluigi Buffon, o último monumento de Carrara
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Carrara, em Itália, onde vivem apenas 65 560 habitantes, é uma região famosa pelo mármore que serviu de base para o Panteão de Roma e para a famosa escultura de Michelangelo, David. Embora a região seja maioritariamente desconhecida para a maioria das pessoas, a sua importância histórica ecoa desde o Renascimento até aos dias de hoje. Em 1978 nascia um rapaz nessa mesma zona que ajudou a construir alguns dos monumentos históricos mais importantes de sempre. Nesse inverno de 1978 nascia mais um, Gianluigi Buffon.

De Carrara para Parma eram apenas 140km, uma distância pequena para um país tão grande. E foi aos treze anos que “Gigi” saltou da pequena zona de Carrara, junto ao mar, para a grande região de Parma. Antes, dos seis aos 10 anos, Buffon enchia o meio campo do clube de Carrara, mas a sua alta estatura convenceu-o a trocar essa zona pela baliza, algo que os seus agora 192cm confirmam como boa decisão.

Daí para a frente a história é simples, em 1995 estreou-se na equipa principal do Parma, onde tinha a companhia do trintão Giovanni Galli, guarda redes internacional por Itália, do português Fernando Couto, do jovem central italiano Fabio Cannavaro, do centro campista Dino Baggio e de um trio atacante composto pelos modestos Gianfranco Zola, Pippo Inzaghi e Hristo Stoichkov, onde ainda se junta Faustino Asprilla. Este conjunto de estrelas deu-lhe as condições necessárias para integrar um projecto sólido e em claro crescimento, culminando com a sua primeira época a titular em 1996/1997, titularidade essa que nunca mais largou em nenhuma época até hoje, 20 anos depois; a sua primeira internacionalização em 1997 e a vitória da Taça UEFA em 1999.

Foi no verão de 2001 que Buffon trocou uma das suas paixões por outra, a Juventus. Aquela que foi a transferência mais cara de sempre (até hoje) de um guarda redes, foi sem dúvida uma aposta correcta por parte do clube de Turim, visto que o mítico guarda redes conseguiu criar uma carreira incrível ao longo dos 16 anos que o ligam ao campeão italiano. Além de ter completado recentemente mais de mil jogos oficiais, o guarda redes italiano é também o jogador com mais internacionalizações pela sua selecção, venceu em 2013 o prémio de melhor guarda redes dos últimos 25 anos e além dos inúmeros títulos pela Juventus, ainda se sagrou campeão do mundo com a Itália em 2006.

Numa carreira repleta de títulos, sucesso, liderança em todas as frentes, o que é que falta a um dos melhores jogadores de sempre do futebol? A Liga dos Campeões. Em boa verdade também lhe falta um Europeu, mas essa já não é uma etapa real. O guarda redes italiano vai para a sua terceira final na carreira (após 2003 e 2015) na carreira e esta poderá mesmo ser a última oportunidade, embora ainda lhe reste na teoria mais uma época ao serviço da Juventus. Se tudo correr de feição, Buffon estará presente no próximo campeonato do Mundo, com 40 anos, naquela que se suspeita ser a sua última competição, competição essa que já ganhou. Caso vença a final no próximo sábado, torna-se-à o jogador mais velho de sempre a ganhar uma liga dos campeões, após o seu compatriota Paolo Maldini, que em 2007 tinha 38 anos. É curioso observar a lista dos cinco jogadores mais velhos de sempre a ganharem uma liga dos campeões e observarmos que todos esses são italianos.

A transição de herói da época clássica para a época moderna continuou a fazer-se através do desporto. Embora seja bastante limitativo considerar um herói de guerra ou batalha como desporto, a verdade é que os clássicos literários tornaram os seus heróis em figuras quase imortais esquecendo por vezes o horror e a realidade do combate, e enaltecendo apenas os feitos positivos. Embora continue a ser injusto deixar de parte tantas pessoas que combatem diariamente contra injustas de todas as formas e feitios, o termo de herói para o povo está associado ao desporto, mais nomeadamente ao futebol e aqui que Gianluigi Buffon encaixa.

Se em 2006/2007 Buffon decidiu surpreender tudo e todos ao descer de divisão com a sua Juventus, após o escândalo do Calcio Caos, ainda mais sendo campeão do mundo, a verdade é que essa prova de amor se converteu em heroísmo não só para os fãs da Juventus, mas como para todos os amantes de futebol e não só. Um jogador renegar mil e uma hipóteses de ganhar mais dinheiro, arriscar-se a perder patrocínios e a virar a sua carreira do avesso, apenas por aposta pessoal é bastante raro nos dias de hoje. Essa prova fez de Buffon um ícone mundial, não só no futebol, mas em todas as outras frentes. Esse exemplo de lealdade vai muito além do que o futebol significa e define o carácter de uma pessoa.

Hoje, em 2017, após 168 jogos pela sua selecção, cerca de 621 jogos pela sua amada Juventus e 220 jogos pela sua segunda paixão, o Parma, Gianluigi Buffon só quer ganhar a sua Liga dos Campeões e continuar pelo menos durante mais uma época a defender a baliza do seu clube do coração, naquela que é mais uma das histórias heróicas ao estilo da antiguidade clássica. O pequeno rapaz da cidade que ajudou a construir monumentos quer continuar a construir o seu, a mais bela carreira de um guarda redes de sempre.

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