Caetano Veloso: o canto de um povo e de um lugar

por Lucas Brandão,    6 Agosto, 2017
Caetano Veloso: o canto de um povo e de um lugar
PUB

Continuando a arrebatar os corações dos mais diversos componentes da lusofonia, e não só, Caetano Veloso tem já uma carreira que se prolonga há mais de 50 anos, quebrando as barreiras das faixas etárias e colocando ao serviço dos melómanos uma voz doce e suave, de fácil audição e com composições líricas acompanhadas de uma aura única e resplandecente. O canarinho foi uma das principais vozes de combate às intempéries políticas e sociais vividas no seu país, bradando com uma música consagrada, e com um lirismo único e diferenciado, diante das vicissitudes do seu povo. O papel de referência que, ainda hoje, colhe baseia-se nesses tempos longínquos, mas nunca esquecidos da memória que compõe e entoa a história.

Caetano Emanuel Viana Teles Veloso nasceu a 7 de agosto de 1942 em Santo Amaro, no estado da Bahia, Bahia essa que amiúde é homenageada nas suas canções. Irmão mais velho da também cantora prestigiada Maria Bethânia, tendo escolhido o seu nome a partir da valsa com o mesmo nome composta pelo seu compatriota Capiba, foram dois os fatores para o músico enveredar pela música, após uma instrução cultural precoce que percorreu a arte e a pintura.

Foram dois os fatores que o levaram a pender para a música. O primeiro deles foi aos 16 anos e surgiu aquando ouvia uma canção de Marisa Gata Mansa denominada “Chega de Saudade”, que o levou a conhecer a obra homónima de um da sua grande inspiração João Gilberto (a quem chama de “mestre supremo”) de 1959. Este é um dos pioneiros da Bossa Nova, estilo que mescla o samba canarinho com o jazz então em voga na superpotência dos Estados Unidos da América. O outro foi ao assistir num auditório da Rádio Nacional no Rio de Janeiro a uma vasta lista de espetáculos de artistas então proeminentes no seu país. Mal sabia o jovem que viria a ser um dos ícones da MPB (Música Popular Brasileira), entendida como a segunda vaga da Bossa Nova, após a predominância de Tom Jobim e do seu “mestre supremo”.

Apesar de apenas se cingir à carreira musical em 1965 com alguns trabalhos avulsos, o músico conheceu artistas como Gilberto Gil, com quem viria a estabelecer uma parelha que ainda hoje faz suspirar as várias gerações que cresceram ao som de ambos, e Gal Costa. Na sucessão deste encontro, Veloso foi um dos inovadores da “Tropicália”, corrente que consistia numa mistura de tradicionalismos culturais e de elementos vanguardistas surpreendentes então. Foi este movimento que deu o mote a uma crítica subtil e intervencionista na vaga de ditaduras militares que assolou o continente sul americano, crítica essa que expunha uma evidente instrução, sendo apoiada pelo seu ingresso na Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual de Bahia e por ter sido crítico de cinema num jornal do seu estado natural.

Foi a mesma ditadura militar responsável pela desclassificação da sua participação no Festival da Canção de 1968, graças ao caráter insurgente da música “É Proibido Proibir” e pelo seu exílio para Londres em 1969, que o fez compor e cantar no idioma inglês e adquirir essa nova vertente no seu repertório. Foi lá que começou a construir o seu percurso discográfico, em muito pautado pelo experimentalismo e por um estilo híbrido, entre o calor do rock europeu, em especial de língua inglesa, e das suas origens, bem canarinhas e efervescentes. Alguns dos discos mais notáveis de Caetano Veloso são:

“Caetano Veloso” (1968)
“Caetano Veloso” (1969)
“Caetano Veloso” (1971)
“Transa” (1972)
“Caetano Veloso” (1986)
“Livro” (1998)

O estilo de Caetano sempre se notabilizou pelo seu caráter multifacetado, bebendo bastante da Bossa Nova mas colhendo elementos de outros estilos como o samba, o reggae, o hard e o classic rock, o pop dos anos 60 e 70, o folk e até mesmo do fado português. Outras notas de destaque na carreira deste artista são, para além de ter escrito uma autobiografia denominada “Verdade Tropical” (1997), e da parceria que se prolonga pelas décadas com o seu grande amigo Gilberto Gil, a de, com este, Gal Costa e Maria Bethânia, sua irmã, ter fundado a banda Doces Bárbaros, e lançado um álbum homónimo em 1976 como forma de celebrar uma década de carreira dos quatro jovens músicos. O bahiano lançou mais de cinquenta discos e até participou em bandas sonoras de alguns filmes, como o galardoado “Habla con Ella” (2002), do realizador espanhol Pedro Almodovar. Até à atualidade, continua a produzir e a colaborar com as novas gerações de músicos brasileiros, fazendo-se notar na sociedade brasileira como uma presença cultural e intelectual de renome e de grande prestígio.

Conhecido como uma das mais influentes personalidades de toda a cultura brasileira e um dos mais profícuos músicos brasileiros, Caetano Veloso é comparado a outros de nomeada internacional como Bob DylanPaul McCartney ou John Lennon na medida em que é concebido como um dos melhores compositores do século XX. Para além disso, o músico é um dos, senão o grande embaixador da música brasileira contemporânea, ladeado por artistas como a sua irmã Maria BethâniaChico Buarque ou o seu parceiro Gilberto Gil, apoiando-se num espírito crítico inflamável com uma chama de difícil circunscrição. Esse espírito de indagador da realidade e da exposição das injustiças sociais foi acompanhado pelos seus colegas e fundamentado pela sucessão de acontecimentos à luz da ditadura militar brasileira. É dessas experiências que nasce o documentário “Narciso em Férias”, da dupla de realizadores Renato Terra e Ricardo Calil, que consegue captar a vivência de Caetano na primeira pessoa.

Caetano Veloso é, assim, um polivalente musical e um dos grandes baluartes da cultura brasileira, complementando ao talento da sua confraternizadora e carinhosa voz um inconformismo acérrimo na tentativa de aprimorar a sociedade em que vive e onde as agruras se acumulam. A voz de um poeta, de um músico, de um bom homem. Pouco há de melhor do que as palavras e a voz de um bom homem, pois o que ele entoa são bonitas expressões impregnadas com melodias que mexem com o coração, tanto ao agitá-lo como um despertador para os dissabores sociais como para a compreensão e a empatia de cada um dos ouvintes com as suas letras de maior ou menor sentimentalidade. Vindo da Bahia, de trato dócil e carinhoso, entendendo os seus com pura magia, eis o fascinante e inebriante Caetano Veloso.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados