Benjamin Clementine e a música para os aliens de todas as partes

por Bernardo Crastes,    9 Setembro, 2017
Benjamin Clementine e a música para os aliens de todas as partes
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No decurso da passagem de Benjamin Clementine por Paredes de Coura, tivemos a oportunidade de escutar em primeira mão o seu próximo álbum, I Tell a Fly. De seguida, o músico juntou-se a nós numa conferência de imprensa na qual pudemos esclarecer algumas das dúvidas que surgiram no decorrer da audição do complexo novo disco. A ocasião permitiu-nos conversar quase coloquialmente com o músico inglês, que assumiu uma pose casual ao longo da sessão. O microfone, que enfatizava os seus P’s de uma forma desagradável, acabou por ser uma boa maneira de quebrar o gelo, numa situação que talvez estivesse a ser desconfortável para alguém com a personalidade retraída de Clementine.

O conceito por detrás do álbum surgiu quando, ao viajar pelos EUA, lhe foi atribuído um visto de estrangeiro com capacidades extraordinárias, por ser artista. A expressão inglesa é alien of extraordinary ability, o que o levou a pensar na palavra alien aplicada a todos nós, que somos de todas as partes. Numa espécie de abolição de fronteiras, Benjamin pôs-se na pele de um alien humano, e começou a escrever uma peça de teatro. Posteriormente abandonou essa ideia, por “ainda não ser um dramaturgo“; e assim surgiu I Tell a Fly.

Recolhemos algumas primeiras impressões. O álbum leva o estilo neoclássico do disco de estreia At Least for Now mais além, recorrendo a algum experimentalismo. Como exemplo, o coro que se ouve no single de avanço “Phantom of Aleppoville” demonstra uma teatralidade ainda mais manifesta que qualquer excerto no álbum de estreia. No entanto, a principal mudança sonora é a presença assídua do cravo. Sendo que a situação europeia actual inspirou alguns temas do álbum, Benjamin justificou a utilização desse instrumento clássico por ser tão europeu. Para além disso, considerou que o seu som estridente, que chama para si tanta atenção, seria uma boa forma de fazer com que as pessoas ouvissem aquilo que ele tinha para dizer. E realmente funciona, pois o álbum insistentemente entra dentro do nosso âmago. Isso não quer dizer que o piano que caracteriza a música a que Clementine nos habituou tenha desaparecido de vez. Continua por lá, a amenizar a intensidade das letras e do cravo, tão complexo e bonito como sempre. No entanto, como revelou à Blitz, o artista pondera abandoná-lo num futuro próximo.

Letras que remontam aos primeiros anos da sua vida fizeram-nos indagar se a infância teve uma grande influência na escrita do álbum. Benjamin Clementine disse que sim, mas que neste caso queria afastar-se da esfera pessoal, enfatizando as qualidades universais das suas próprias situações específicas, principalmente no que toca ao bullying. O “Billy, the bully”, referenciado em “Phantom of Aleppoville”, existiu mesmo na sua vida; mas Benjamin vai mais além. O receio que as crianças vítimas do bullying sentem ao andar sozinhas na rua é usado como uma analogia com o receio que as crianças de Aleppo sentem ao voltar para casa. No entanto, apesar das referências europeias e da guerra na Síria, o cantor quer afastar-se de rotulagens políticas, preferindo referir-se ao lado humano e universal da guerra e da paz.

Quando questionado relativamente a ter sofrido alguma pressão na execução deste álbum, devido ao grande sucesso do anterior, Benjamin disse não a ter sentido. “Talvez quando fizer o meu terceiro álbum“, brinca o artista. O facto de neste trabalho se ter focado mais em contar as histórias de outras pessoas retirou um pouco do peso que sente quando se expõe, como fez no trabalho anterior.

Para concluir, o artista falou sobre a sua relação com Portugal. Não compreendo porque é que gostam tanto da minha música, diz-nos o britânico. Apressa-se a arranjar uma explicação, para não ser mal-entendido. A ligação dos portugueses a música carregada de emoções – dando o exemplo do nosso fado, e de outros estilos como a bossa nova e música latina – pode explicar a forma como é entusiasticamente recebido no nosso país. Sem fazer promessas, sugere que se sentiria satisfeito ao mudar-se para cá, dar concertos e interagir com os portugueses, dado que aqui se sente compreendido. Gostaria que assim fosse em todo o lado, mas sente-se feliz por, pelo menos, ter encontrado um sítio assim.

I Tell a Fly será lançado a 15 de Setembro.

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