Alexander Pushkin, o rebelde da cultura russa

por Lucas Brandão,    6 Junho, 2016
Alexander Pushkin, o rebelde da cultura russa
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Nos meandros da literatura russa, um caso especial. Influenciado pela vaga romancista que assolava o ocidente europeu, eis Alexander Pushkin e o seu estilo jovial e irreverente. Grande parte das suas obras foram alvo de críticas e até de censura, embora isto não constituísse obstáculo para a repercussão que depressa conquistou. O escritor inspirou nomes como Turgueniev e Dostoievski e indicou o caminho para a cultura russa aclamar momento de inspiração e de elevação.

Alexander Sergeevich Pushkin nasceu a 6 de junho de 1799 em Moscovo, na Rússia, embora a data do seu nascimento não seja consensual. O sue avô foi um dos principais generais do império de Pedro, o Grande e era tratado como um membro da família czarista. Criado no seio de uma família abastada e nobre, foram vários os tutores com quem contou, inclusive um fluente em francês, e tornou-se profundo conhecedor do folclore do seu país por intermédio da sua enfermeira particular. O gosto pelas línguas permaneceu até aos tempos de liceu, onde cursou em São Petersburgo. Foi também nos tempos de estudante universitário que iniciou a sua escrita poética e que cultivou o interesse pelo britânico Lord Byron. Em 1817, com somente dezoito anos, assume um cargo no Ministério dos Assuntos Estrangeiros e desfruta do convívio com a elite social e intelectual da cidade, então capital russa. Foi através deste contacto privilegiado que ganhou argumentos para iniciar a sua senda satírica perante as figuras de proa da sociedade de então. As suas crenças tinham então derivado do tradicionalismo estatal e ganharam um pendor liberal. Por via desta crescente irreverência, em 1820, o czar não hesitou em forçar o seu exílio para o sul do país. Até aqui, foram trabalhos como “Ode à Liberdade” ou “A Vila” que assumiram protagonismo na sua incipiente carreira.

No entanto, não foi isto que demoveu Pushkin dos seus ideais, levando-o a insistir nas visões políticas liberais contra a autocracia e a apoiar causas como o fim da presença do Império Otomano na Grécia. Não obstante estar condicionado na sua margem de movimento e de produção, o escritor é incentivado pelas regiões do Cáucaso e da Crimeia. Poemas como “Os irmãos bandidos” (1821/22) e “O Prisoneiro do Cáucaso (1822) mais o romance com traços de folclore “Ruslan e Lyudmila (1820) são recortes exemplificativos desta senda criativa. Quatro anos depois, volta a viver com a família e acaba envolvido inocentemente na insurreição de dezembro de 1825, de onde o czar Alexandre I é vitimado mortalmente. Embora muitos dos seus amigos fossem exilados para a Sibéria, Pushkin acaba por sair beneficiado através do estatuto social ostentado pelos seus parentes. No mesmo ano do golpe, redige o drama histórico “Boris Godunov”, seguido três anos depois pelo romance “Poltava”.

Em 1831, o russo casa-se com Natalie Goncharova e com ela tem quatro filhos, de nomes Alexander, Grigory, Maria e Natalia. Entre obras como os dramas “Mozart e Salieri” ou “O Convidado de Pedra”, redige uma obra de homenagem a Pedro, o Grande em “O cavaleiro de bronze”, outra sobre o tempo de Catarina, a Grande (“Marie: Uma História de Amor Russa”) e, entre outras, uma série de pequenas histórias em que mesclava com perícia o drama, o romance e a sátira. Contudo, as adversidades com as quais o autor se deparava cresceram ainda mais, sendo constrangido por dívidas financeiras e subsequentemente por não conseguir suportar a sua família. Também a animosidade sentida pelo novo czar Nicolau não ajudou, assim como o aparecimento de um alegado amante da sua esposa. Esse amante seria barão emigrante de nacionalidade francesa de nome Georges d’Anthès e Pushkin desafiou-o para um duelo. Ambos saíram lesados do mesmo, embora o russo não resistisse aos ferimentos contraídos e falecesse a 29 de janeiro de 1837 com somente 37 anos. Em possível conluio com o barão, este que viria a desposar a cunhada do escritor, foi enterrado secretamente pela noite. Todavia, o sucesso que granjearia acabaria por redundar numa cerimónia condizente com o valor do seu nome e da sua obra, estando agora ao lado da sua mãe.

Perder a razão é uma coisa terrível. Antes morrer. A um morto consideramos com respeito, rezamos por ele. A morte fá-lo igual a todos. Enquanto um homem privado da sua razão deixou de ser homem.

Pushkin quanto à perda da razão.

Uma das principais obras de Pushkin foi “Eugene Onegin” (publicada em 1833), tendo o casal de protagonistas Eugene e Tatyana marcado indelevelmente a literatura russa. A obra segue também a vida da irmã de Tatyana (Olga) e a de Lensky, personagens que acabam por sumarizar os diversos papéis da sociedade imperial russa do século XIX. A história é narrada por uma espécie de analista do mundo e das personagens, fazendo-o de forma subtil e intimista. As personagens, deste modo, são desenvolvidas com uma simplicidade subtil e com uma carga dramática de particular importância. No entanto, a pertinência da obra não se delimita pelo enredo e pela sua narração. Também a componente estrutural é inovadora, sendo a mesma composta por 389 estrofes com o esquema de rima insólito “AbAbCCddEffEgg” (designado como tetrameter iambic), em que as letras maiúsculas assinalam as rimas femininas enquanto, por outro lado, as minúsculas as masculinas. Esta estrofe ficou conhecida desde então como o “soneto Pushkin” ou a “estrofe Onegin”. Também a naturalidade conseguida com este registo vernacular, humorístico e satírico alicerçada na transparência que a dicção possibilitava completou o génio virtuoso do escritor russo e a dificuldade de tradução internacional.

A propensão reformista do autor levou a que este se juntasse a um movimento que condicionaria a publicação incólume dos seus escritos. Esta controvérsia, conforme assinalado acima, não causou embargo a que outros autores se baseassem em si, como o seu amigo Nikolai Gogol, Fiodor Dostoievski, Vladimir Nabokov ou Ivan Turgueniev. Não só o seu trabalho se circunscreveu à literatura mas também à música, à dança, ao cinema e às restantes formas de arte. O compositor Tchaikovsky escolheu duas das suas obras para dar composto e vida em forma de música (sendo uma delas Eugene Onegin) e muitas foram as suas produções escritas que viriam a dar origem a bailes e a adaptações cinematográficas. Alexander Pushkin foi assim o grande impulsionador para a avalanche criativa que a Rússia estaria prestes a apresentar ao resto do mundo e a motivar uma série de artistas a prosseguir com as suas aspirações. Inovador na poesia mas pouco triunfador no que toca às lides da vida, foi de muitas peripécias mas de ideais acérrimos que se fez a sua vida e obra. Do autor se fez inspirador, à pessoa se fez o louvor.

“A subtileza ainda não é inteligência. Às vezes os tolos e os loucos também são extraordinariamente subtis.”

Pushkin sobre a subtileza.

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