A Piscina do Milhões de Festa e a jinga de Ghost Wavvves+Mike El Nite

por Samuel Pinho,    19 Julho, 2017
A Piscina do Milhões de Festa e a jinga de Ghost Wavvves+Mike El Nite
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No espaço temporal que abrange os anos mais recentes, habituamo-nos a  ver proliferar em Portugal todo o tipo de festivais de música: ele há os de massas e os de nicho, os de rock e os de techno, os que dão palco à música e os que privilegiam partilhas em redes sociais. Com tanta e tão vasta oferta, a já por si espinhosa tarefa de selecionar o destino das poupanças do ano inteiro torna-se, consequentemente, quase impossível. Há – porém – um festival que mesmo encorpando o grupo dos mais modestos, se põe em bicos de pés e brinca, bebe e faz dançar como gente grande.

Adulto de pleno direito, o Milhões de Festa comemora este ano a 10ª edição. E se já quase tudo de bom foi dito e escrito, deixo uma indagação: há mais algum festival made in Portugal que se dê ao luxo de ser elogiado por quem nunca lá esteve?

A encabeçar o conjunto alargado de particularides que fazem do Milhões de Festa, O MILHÕES DE FESTA, está o Palco Piscina.

Invariavelmente, ainda que os argumentos sólidos que o justifiquem fujam sempre na hora de os enumerar, a Piscina de Barcelos é dos spots mais quentes do Verão e tal não se deve (só) à temperatura. O dito tanque incorpora na perfeição o velho dizer: “há coisas que não se explicam, sentem-se”.

A curadoria musical da Red Bull Music Academy é o principal garante de diversidade musical,  num registo que confere às matinés o selo de qualidade que de outra forma não estaria assegurado.

É ao abrigo desses mesmos critérios que a atuar na Piscina – não no seu interior, mas no palco que a ladeia – estarão Ghost Wavvves + Mike El Nite, representantes lusos das sonoridades mais próximas ao hip-hop, num formato inovador.

Ambos agenciados pela Match Attack, há pouco que os una se exceptuarmos o detalhe anterior e uma faixa do primeiro, que conta com o segundo como featuring: Time Lapse.

É pelas músicas do primeiro que iniciamos esta breve viagem guiada: André Francisco é um produtor português que assina com nome de filme sci-fi americano. Com 4 EP’s lançados desde 2013 – por entre outras tantas faixas soltas que vai difundido – tem na cultura dos videogames, na presença de anime e na utilização abusiva de sintetizadores os seus traços mais característicos. Indagarão vós: “mas quem é capaz de dançar ao som de uma mistura tão distinta de sonoridades”?. Toda a gente.

Aliás, infeliz quem nunca o viu incendiar pistas de dança inteiras, a pretexto das suadas festas da Monster Jinx, eclético colectivo que representa e marca sob a qual têm sido dados a conhecer os seus projetos musicais.

Caso o vasto cardápio seja incapaz de vos ilustrar a qualidade e destreza que lhe são inerentes, fiquem sabendo que este menino foi 1 dos 70 participantes da Red Bull Music Academy 2016.

Durante quase um mês, artistas de todo o Mundo concentraram-se em Montreal (Canadá) para assistir a palestras, workshops e sessões de estúdio de alguns dos mestres da indústria. No fim, puderam atuar em alguns dos espaços mais emblemáticos da região. Nada de novo para o produtor português, uma vez que já havia marcado presença na Academia do ano anterior, com a turma a ser brindada com uma experiência semelhante, desta feita em Paris.

Mike El Nite é feito de material diferente: produz menos e rima mais.

Rapper da zona de Telheiras, encabeça o (infelizmente) vasto leque de artistas subvalorizados no género, ainda que faça parte do pelotão de artistas comprometidos com a revolução a que vamos assistindo no rap nacional. A vertente sónica aliada a uma eletrónica experimental – mérito ao seu produtor in-house, Dwarf – são a cama ideal para os versos que ostenta, banhados em consciência e agregados por via de um wordplay sem igual.

Se inaugurassem a categoria nacional “crítica social em forma de rap”, veríamos um tipo com boné, munido de óculos graduados e barba à faquir a acenar-nos do topo com ar de gozo: é Miguel Caixeiro e são dele as rimas que melhor unem conteúdo acutilante e falta de pudor. Sem papas na língua: tendo em conta artificialidade que grassa por aí, hoje sabemos bem do valor que isso acrescenta. Certo?

Em 2016 editou “O Justiceiro”, primeira longa-duração considerado pela Antena 3 um dos melhores do ano. Para além da lírica hábil patente nas faixas, é o responsável primeiro pelo conceito dos vídeos que se lhes aliam.

A criatividade aliada ao humor sagaz fazem de Miguel Caixeiro um artista a manter debaixo de olho, não fosse dos mais profícuos que por cá temos.

Zona T finest”, como diria (e bem) um certo rapper.

À Comunidade Cultura e Arte, Mike e Ghost teceram algumas considerações:

Relativamente ao cardápio do MdF’17, és o representante luso mais próximo da cultura hip-hop. Como analisas a presença do género – por mais residual que seja – em praticamente todos os festivais de relevo, realizados por cá? Julga-la uma moda que acabará por passar ou uma tendência já enraizada?

Mike: Acho que é uma tendência e que tem o seu tempo, como todas, mas também como em todas as tendências existe uma triagem depois da moda passar, e os artistas que se destacam pela qualidade dos concertos conseguem encontrar um lugar mais ou menos permanente.

Ghost: Acho que acabou por ser algo mais constante nos dias de hoje mas tal como o Mike disse, existe sempre aquela triagem que acaba por fazer a seleção natural.

Não é hábito atuarem juntos: o que podemos esperar?

Mike: Já aconteceu antes em alguns momentos esporádicos, passa por passarmos musica que gostamos e aproveitar para tocar as malhas que temos juntos.

Ghost: Já tocámos outras vezes no passado, tal como no Lux e no ZDB. Normalmente é passar faixas que gostamos num B2B, ou então o clássico cross entre DJ e Rapper a cuspir rimas.

Mesmo tendo editado “O Justiceiro” em 2016, lançaste há pouco mais de um mês o vídeoclipe da “Oliude”. Quais são os prognósticos de futuro?

Mike: Neste momento estou à procura de sonoridades que saiam do genérico do que se tem ouvido por aí, não quero lançar música que me soe igual ao que se faz por cá.
Quero ser fraturante.

Ghost: Muito provavelmente vou mandar mais uns quantos EP’s no futuro, e estou agora a começar a trabalhar no meu primeiro álbum e mais umas coisas que tenho pendentes, para breve. Quero também trabalhar com outros artistas.

Já andas na rota dos festivais há um par de anos, tendo inclusive atuado no NOS Alive há semanas. Da tua óptica, há no MdF algum factor diferenciador?

Mike: Vai ser a minha primeira vez no MdF, mas pelo que vou acompanhando, tenho o festival em conta como um dos poucos que traz bandas antes de elas serem super conhecidas ou mesmo bandas que não poderiamos ver ao vivo em Portugal noutras  ocasiões, portanto, thumbs up.

Ghost: Nunca toquei antes no Milhões, mas pelo que percebi dos anos anteriores, é um festival com uma vibe incrível e tenho a certeza que vai ser brutal.

 

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